# 6 Lei da Falta de Visão - 6/18 Robert Greene

 




# 6 Lei da Falta de Visão – Eleve a sua perspetiva

 

A parte animal da nossa natureza é a que mais se impressiona com o que pode ver e ouvir no presente — o último noticiário e tendências, as opiniões e ações das pessoas que o rodeiam, tudo o que lhe parecer mais dramático. É isto que o faz ir atrás de esquemas sedutores que prometem resultados rápidos e dinheiro fácil. É também o que o faz reagir deforma exagerada às circunstâncias presentes — deixando-o demasiado entusiasmado ou em pânico quando os acontecimentos se viram num sentido ou no outro. Aprenda a medir as pessoas pela estreiteza ou amplidão da sua perspetiva; evite envolver-se com quem não consegue divisar as consequências dos seus atos, que se encontram em modo reativo constante, Irão contagiá-lo com esta energia. Os seus olhos devem estar postos nas tendências mais latas que governam os acontecimentos, no que não é imediatamente visível. Nunca perca de vista os seus objetivos de longo prazo. Ao assumir uma perspetiva elevada, obterá a paciência e a clarividência para alcançar praticamente todos os objetivos.

 

Caso John Blunt e South Sea company

John Blunt era um homem de negócios pragmático e rigoroso, com um único objetivo — fazer uma fortuna duradoura para si e para a família. No entanto, no verão de 1719, este homem altamente realista foi contagiado por uma febre. Quando começou a ler sobre o que se estava a passar em Paris, sentiu-se abalado com toda a situação. Lia histórias intensas sobre franceses comuns que subitamente faziam fortuna. Nunca antes pensara que investimentos em sociedades anónimas pudessem trazer tão bons resultados, mas as provas vindas de França eram irrefutáveis. Queria propiciar uma sorte semelhante a Inglaterra e, ao arquitetar o seu plano, imitou naturalmente muitas das características do esquema de Law, limitando-se a aumentar a escala do mesmo.

No entanto, o que é espantoso, neste caso, é que uma questão bastante óbvia nunca lhe parece ter passado pela cabeça. O esquema dependeria da subida de preço das ações. Se as pessoas que transformaram as suas letras do governo em ações tinham de pagar 200 libras por ação em vez de 100, receberiam menos ações, o que deixaria menos para a South Sea vender ao público e obter lucro agradável. Se as ações fossem compradas a 200 libras, valeriam mais se o preço continuasse a subir e se fossem vendidas a dada altura. Ver a subida de preço iria atrair mais credores com vontade de converter as suas ações e mais pessoas para comprar. Apenas se o valor continuasse a subir todos poderiam ganhar, mas como podia o preço continuar a subir se não se baseava em bens reais, como comércio? Se o preço começasse a cair, como aconteceria inevitavelmente, o pânico instalar-se-ia decerto, visto que as pessoas perderiam confiança no esquema, e isto só poderia desencadear uma reação em cadeia de venda. Como podia Blunt não o ter antecipado? A resposta é simples: o enquadramento temporal de Blunt reduzira-se ao ponto de perder a capacidade de ver com meses de antecedência e de ponderar as consequências. Hipnotizado pelos acontecimentos ocorridos em França e imaginando toda a riqueza e poder que estava prestes a alcançar, só se conseguia concentrar no presente, certificando-se de que o esquema arrancava com sucesso. O seu êxito inicial não fez mais do que fazê-lo pensar que se manteria por muito tempo. A medida que avançava, compreendeu certamente que tinha de fazer subir o preço ainda mais depressa, e a única maneira de o fazer era atrair mais investidores através de condições generosas de crédito. Isto tornaria o esquema ainda mais precário, com a solução a acarretar vários perigos novos. A Lei da Bolha e os seus generosos dividendos trouxeram ainda mais riscos imediatos, mas agora o seu enquadramento temporal reduzira-se a uma questão de dias. Se conseguisse manter o barco à superfície apenas por mais uma semana, arranjaria uma nova solução. Porém, finalmente, o tempo esgotou-se.

Quando as pessoas perdem a ligação entre as suas ações e as suas consequências desligam-se da realidade, e, quanto mais longe este fenómeno vai, mais se assemelha a loucura. A loucura que se apoderou de Blunt contagiou rapidamente o rei, o Parlamento e até todos os cidadãos conhecidos pelo seu senso comum. Quando os ingleses viram os seus compatriotas ganhar grandes quantias, tornou-se um facto - o esquema tinha de ser um sucesso. Também perderam a capacidade de pensar com alguns meses de antecedência. Veja o que aconteceu a Sir Isaac Newton modelo de racionalidade. De início, também foi tomado pela febre, mas, passada uma semana, a sua mente lógica conseguiu ver as lacunas do esquema, por isso vendeu as ações. Mais tarde, viu outros fazerem quantias muito superiores às suas insignificantes 14 mil libras, o que o incomodou. Em agosto, tinha de voltar ao esquema, embora fosse a pior altura para reinvestir. O próprio Sir Isaac Newton perdera a capacidade de pensar para lá do presente. Como um banqueiro holandês observou acerca do panorama em Exchange Alley, «[Parecia que todos os malucos tinham fugido do manicómio ao mesmo tempo».

 

Compreender: Os seres humanos tendem a viver no momento. É a parte animal da nossa natureza. Respondemos primeiro e acima de tudo ao que vemos e ouvimos, ao que é mais dramático num acontecimento. Mas não somos apenas animais presos ao presente. A realidade humana abrange o passado todos os acontecimentos estão ligados a algo que aconteceu antes numa interminável cadeia de causalidade histórica. Qualquer problema presente tem origens profundas no passado. Também abrange o futuro. O que quer que façamos tem consequências que se prolongam pelos anos vindouros.

Quando limitamos a nossa forma de pensar ao que os nossos sentidos oferecem, ao que é imediato, descemos ao puro nível animal em que as nossas capacidades de raciocínio são neutralizadas. Já não estamos conscientes do motivo ou do modo como as coisas acontecem. Imaginamos que algum esquema bem-sucedido que durou alguns meses só pode melhorar. Já não pensamos nas possíveis consequências de tudo o que desencadeamos. Reagimos ao que nos surge no momento, apenas com base numa pequena peça do quebra-cabeças. Naturalmente, as nossas reações levam a consequências inesperadas ou mesmo a desastres, como o crash da South Sea ou o mais recente de 2008.

Para complicar, estamos rodeados de outras pessoas que estão sempre em reação, arrastando-nos mais profundamente para o presente. Os vendedores e os demagogos jogam com estas fragilidades da natureza humana para nos enganarem com a perspetiva de ganhos fáceis e de gratificação imediata. O nosso único antídoto é treinarmo-nos constantemente para nos desligarmos da febre imediata de acontecimentos e elevar a perspetiva. Em vez de reagirmos apenas, recuamos e olhamos para o contexto global. Consideramos as várias ramificações possíveis de qualquer ação que tomemos. Mantemos presentes os nossos objetivos de longo prazo. Muitas vezes, ao elevar a perspetiva, decidimos que é melhor não fazer nada, não reagir e deixar o tempo passar para ver o que revela. (Se Blunt tivesse esperado alguns meses, teria assistido ao desmoronar do esquema de Law, e Inglaterra teria sido poupada à ruína que se sucedeu.) Uma sanidade e um equilíbrio como estes não surgem naturalmente. São competências que adquirimos com grande esforço e que representam o peso da sabedoria humana.

               Posso calcular o movimento dos corpos celestes, mas não a loucura das pessoas.

—Sir Isaac Newton

Explicações para a natureza humana

Quase todas as pessoas já viveram algo semelhante aos cenários que se seguem: alguém de que precisamos ou dependemos não nos dá a devida atenção, não nos devolvendo as chamadas. Sentindo-nos frustrados, expressamos os nossos sentimentos por essa pessoa ou redobramos esforços no sentido de obter uma resposta. Podemos deparar com um problema, um projeto que não está a correr bem, e por isso decidimo-nos por uma estratégia e tomamos medidas adequadas. Ou então alguém aparece na nossa vida, sentimo-nos cativados pela sua energia e encanto renovados e tornamo-nos amigos.

Depois as semanas passam e somos obrigados a reavaliar o que aconteceu e a forma como reagimos. Surgem informações novas. A pessoa que não nos respondia estava assoberbada de trabalho. Se houvéssemos esperado e não tivéssemos sido tão impacientes, poderíamos ter evitado afastar um aliado valioso. Esse problema que tentámos resolver não era assim tão urgente, e piorámo-lo indo a correr à procura de resultados. Temos de saber mais antes de agir. Além disso, esse novo amigo acaba por não se revelar assim tão encantador; na verdade, o tempo releva que se trata de um sociopata destrutivo de cuja amizade demoramos anos a sarar. Um pouco mais de distância poderia ter-nos mostrado o sinal vermelho antes de ser demasiado tarde. Observando a nossa vida, vemos que temos tendência para ser impacientes e para exagerar; reparamos em padrões de comportamento ao longo de períodos de tempo dilatados que nos escapam no momento, mas se tornam mais claros, mais tarde.

O que isto significa é que no momento presente carecemos de perspetiva. Com o passar do tempo, ganhamos informação adicional e destrinçamos melhor a verdade; o que era invisível para nós no presente torna-se agora visível em retrospetiva. O tempo é o grande mestre, o revelador da realidade,

Podemos comparar este aspeto ao fenómeno visual que se segue. No sopé de uma montanha, numa floresta densa, não conseguimos orientar-nos ou mapear 0 espaço que nos rodeia. Vemos apenas o que se encontra diante dos nossos Olhos se começarmos a subir pela vertente da montanha, conseguimos ver melhor que nos rodeia e de que forma esses elementos se relacionam com outras partes da paisagem. Quanto mais alto subimos, mais nos apercebemos de que aquilo que pensámos lá em baixo não estava absolutamente certo, baseava-se numa perspetiva ligeiramente distorcida. No cimo da montanha, temos uma visão panorâmica da paisagem e uma imagem perfeita da topografia da zona,

Para os seres humanos, presos no momento presente, é como se estivéssemos a viver no sopé dessa montanha. O que é mais evidente aos nossos olhos – as pessoas que nos rodeiam, a floresta circundante — dá-nos uma visão limitada e distorcida da realidade. O passar do tempo é como uma lenta subida pela montanha. As emoções que experimentamos no presente já não são tão fortes; podemos distanciar-nos e ver as coisas mais claramente. Quanto mais subimos com o passar do tempo, mais informação acrescentamos ao quadro. O que vimos três meses depois do facto não é tão rigoroso como o que viemos a saber um ano mais tarde.

Parece, portanto, que só alcançamos a sabedoria quando é demasiado tarde, principalmente de forma retrospetiva. Mas existe de facto uma maneira de os seres humanos produzirem o efeito do tempo, de desenvolverem uma visão alargada do momento presente. Podemos chamar-lhe perspetiva distanciada, e exige o processo que se segue.

Em primeiro lugar, perante um problema, um conflito ou uma oportunidade empolgante, tentaremos distanciar-nos da excitação do momento. Procuraremos acalmar o entusiasmo ou o medo. Ganharemos alguma distância.

De seguida, começaremos a aprofundar e a alargar a perspetiva. Ao considerar a natureza do problema com que somos confrontados, não nos limitaremos a aceitar uma explicação imediata, mas pesquisaremos mais profundamente e teremos em conta outras possibilidades, outras motivações possíveis para as pessoas envolvidas. Obrigar-nos-emos a olhar para o contexto geral do acontecimento, não apenas para o que nos chama a atenção de forma imediata. Imaginaremos o melhor possível as consequências negativas das várias estratégias que estamos a contemplar. Pensaremos de que forma o problema ou a oportunidade aparente se Podem desenvolver com o tempo. Verificaremos ainda que questões que não se revelam no momento podem subitamente tornar-se mais preocupantes do que os problemas imediatos. Concentrar-nos-emos nos objetivos de longo prazo e reremos as nossas prioridades no presente de acordo com os mesmos.

Por outras palavras, este processo implica distanciamento do presente, um olhar mais profundo sobre a origem dos problemas, uma perspetiva mais alargada do contexto geral da situação e um olhar mais projetado para o futuro — incluindo as consequências das nossas ações e das nossas prioridades de longo prazo.

À medida que passamos por este processo, algumas opções e explicações começarão a parecer mais lógicas e realistas do que outras que captámos na altura. Acrescentamos estes factos às lições aprendidas com os anos sobre os nossos próprios padrões de comportamento, desta forma, embora não consigamos recriar o efeito que o tempo tem sobre a nossa forma de pensar, podemos aproximar-nos dele. Com frequência, o passar dos meses dá-nos ainda mais informação a ter em conta. Estaremos a criar este efeito no presente alargando ilações e abrindo a mente. Subiremos a montanha. Esta perspetiva elevada pode acalmar-nos e permitir que mantenhamos a presença de espírito à medida que os acontecimentos se desenrolam.

Mesmo sabendo que se trata de um ideal, temos de admitir que tal perspetiva é rara entre os seres humanos. Parece exigir um esforço quase sobre-humano, A razão é simples: pensar a curto prazo é algo que existe de forma inata no ser humano; estamos preparados para responder ao que é imediato e para procurar gratificação imediata. Aos nossos antepassados mais remotos compensava prestar atenção ao que era potencialmente perigoso no meio ambiente ou ao que oferecia oportunidades de alimento. O cérebro humano, à medida que evoluiu, foi concebido não para analisar todo o cenário e contexto de um acontecimento, mas para se focar nos aspetos mais dramáticos. Era algo que resultava bem num ambiente relativamente simples e na organização social básica da tribo. No entanto, não é adequado para o mundo complexo em que agora vivemos. Faz-nos reparar principalmente no que nos estimula os sentidos e emoções e perder grande parte do cenário global.

 Este aspeto tem um impacto decisivo na forma como encaramos o prazer ou a dor potencialmente envolvida numa situação. Os nossos cérebros estão concebidos para nos fazerem reparar no que nos pode prejudicar imediatamente no ambiente que nos rodeia, mas não para dar grande atenção a outros perigos que espreitam no futuro, os quais são mais abstratos. E por isso que tendemos a dar muito mais atenção a algo como o terrorismo (sofrimento imediato), que certamente merece o nosso interesse, do que ao aquecimento global (sofrimento remoto), que na verdade representa o maior perigo, visto que põe a própria sobrevivência do planeta em risco. Mas tal perigo parece abstrato no presente. No momento em que deixar de se tornar abstrato, poderá ser demasiado tarde. Também tendemos a agarrar-nos às coisas que nos oferecem prazer imediato, mesmo que tenhamos conhecimento das consequências negativas a longo prazo. É por isso que as pessoas continuam a fumar, a beber, a consumir drogas ou a envolver-se em qualquer tipo de comportamento autodestrutivo em que a aniquilação não seja imediata ou dramática.

Num mundo complexo, com uma miríade de perigos que nos espreitam no futuro, estas tendências de curto prazo constituem uma ameaça permanente nosso bem-estar. E, à medida que o alcance da nossa atenção se reduz devido à tecnologia, a ameaça é ainda maior. Em muitos sentidos, somos definidos pela relação que estabelecemos com o tempo. Quando reagimos simplesmente ao que vemos e ouvimos, quando oscilamos entre excitação e exuberância, medo e pânico, a cada nova informação que nos chega em noticiários dramáticos, quando investimos nossas ações no sentido de ganhar o máximo possível de prazer no momento um pensamento quanto a consequências futuras, podemos dizer que estamos a ceder à nossa natureza animal, ao que existe de mais primitivo e potencialmente destrutivo na nossa constituição neurológica. Quando tentamos ir contra esta tendência, considerar mais profundamente as consequências do que fazemos e a natureza das nossas prioridades de longo prazo, estamos a tentar alcançar o verdadeiro potencial humano como animal pensante. E, tal como o pensamento de curto prazo pode ser contagioso, um indivíduo que encarne a sabedoria da perspetiva distanciada pode ter um efeito imensamente positivo nas pessoas que o rodeiam. Estes indivíduos tornam-nos conscientes do quadro mais lato e revelam uma forma de pensar que reconhecemos como superior. Queremos imitá-los.

Se possível, evite contacto com pessoas cujo enquadramento temporal seja estreito, que estejam permanentemente em modo de reação, e procure associar-se àquelas que revelem uma consciência alargada do tempo.

Quatro sinais de falta de visão e estratégias para os ultrapassar

A maior parte das pessoas imagina que nos envolvemos numa espécie de pensamento de longo prazo; afinal, temos objetivos e planos. Mas, na verdade, estamos a enganar-nos. Podemos vê-lo mais claramente quando falamos com outras pessoas acerca dos seus planos e estratégias para o futuro próximo e mais distante: muitas vezes somos confrontados com a sua imprecisão e com a falta de pensamento profundo que os indivíduos de modo geral concedem a esse tipo de planos. São mais esperanças e desejos, e, na pressa dos acontecimentos imediatos, ao sentirem-se facilmente informação na maior parte do tempo, improvisamos e reagimos sob pressão e na necessidade de responder, objetivos e planos fracos como estes a acontecimentos com informação insuficiente. Basicamente, estamos em negação diz respeito a este aspeto, porque é difícil ganhar sobre o processo de tomada de decisões.

A melhor forma de o ultrapassar é reconhecer os sinais claros de que nos falta visão nas nossas vidas. Como acontece com a maior parte dos elementos da natureza humana, a consciência dá o mote. Só quando detetarmos estes sinais poderemos combatê-los. As manifestações que se seguem são as mais comuns de um pensamento que sofra de falta de visão:

Consequências não intencionais. A história está atulhada de exemplos deste fenómeno. Na antiga Roma, um grupo de homens leais à República receava que Júlio César tornasse a sua ditadura permanente e estabelecesse uma monarquia. Em 44 a.C., decidiram assassiná-lo, restaurando assim a República. No caos e vazio de poder que se seguiu, o sobrinho-neto de César, Octávio, ascendeu rapidamente a uma posição de destaque, assumiu o poder e pôs fim à República, de forma definitiva, estabelecendo uma monarquia de facto. Depois da morte de César, soube-se que nunca pretendera criar um sistema monárquico. Os conspiradores provocaram exatamente o que haviam tentado evitar.

Na Índia do século XIX, sob o domínio britânico, as autoridades decidiram que havia demasiadas cobras venenosas nas ruas de Deli, tornando a vida intolerável para os residentes britânicos e para as suas famílias. Para resolver o caso, ofereceram uma recompensa por cada cobra morta que os residentes lhes trouxessem. Em breve os empresários locais começaram a criar cobras de modo a poderem viver da gratificação obtida. O governo apercebeu-se do facto e eliminou o programa. Os criadores, ressentidos contra os governantes e irritados com as suas ações, decidiram devolver as cobras às ruas, triplicando desta forma o número das mesmas antes de se ter instituído o programa do governo.

Outros exemplos conhecidos incluem a 18.a Lei, que estabelecia a Proibição nos Estados Unidos, em 1920, a qual fora concebida para pôr fim à generalização do alcoolismo, mas que terminou apenas num aumento do consumo de álcool a um nível considerável; e o ataque-surpresa a Pearl Harbor, pelos japoneses, em 1941 concebido para dizimar a força naval norte-americana de uma só vez e deixar a América de joelhos. Em vez disso, despertou o público norte-americano do seu profundo isolacionismo, assegurando toda a mobilização da mão de obra especializada do país e dos seus recursos não apenas para derrotar os japoneses, mas para obliterar de vez o seu poder militar. O próprio sucesso do ataque garantiu o contrário do resultado pretendido.

Podemos encontrar exemplos menos dramáticos deste aspeto nas nossas existências mais banais. Tentamos controlar um adolescente rebelde impondo algumas restrições ao seu comportamento apenas para o tornar mais rebelde e incontrolável. Tentamos animar uma pessoa deprimida fazendo-a ver que a vida não é assim tão má e que o sol está a brilhar, para descobrir que a deixámos ainda mais deprimida. Agora sente-se culpada dos seus sentimentos, desprezível e mais isolada ainda na sua infelicidade. Uma mulher tenta fazer que o marido se abra com elas na esperança de criar mais intimidade, pergunta-lhe em que está a pensar, o que aconteceu durante o dia e por aí fora. Ele interpreta esta tentativa como intrusão e fecha-se ainda mais, o que deixa a mulher cada vez mais desconfiada e intrusiva, originando o ensimesmamento adicional do marido.

A origem desta síndrome ancestral é relativamente simples: alarmados por algo presente, agarramo-nos a uma solução sem pensar profundamente no contexto, nas origens do problema, nas eventuais consequências não intencionais. Como reagimos mais do que pensamos, as nossas ações baseiam-se em informação insuficiente — César não estava a planear instituir uma monarquia; os pobres de Deli desprezavam os seus governantes coloniais e não aceitariam pacificamente perder de repente uma fonte de rendimento; os norte-americanos estariam dispostos a entrar na guerra se fossem atacados. Quando agimos com uma perspetiva distorcida, essa ação resulta em todo o tipo de efeitos perversos. Em todos estes casos, uma simples subida à montanha teria esclarecido as possíveis consequências negativas tão óbvias para nós, quando olhamos para trás: por exemplo, oferecer uma recompensa pela apresentação de cobras mortas levaria naturalmente habitantes mais carenciados a criá-las.

Invariavelmente, em situações como estas, o pensamento das pessoas é extraordinariamente simples e preguiçoso: mata-se César e repõe-se a república; a ação A leva ao resultado B. Uma variante deste aspeto, que é bastante comum no mundo atual, é acreditar que, se as pessoas têm boas intenções, resultarão daí boas ações. Se um político for honesto e não quiser prejudicar, obterá os resultados desejados. Com efeito, as boas intenções muitas vezes levam ao que se conhece por efeito cobra, porque as pessoas com as intenções mais nobres deixam-se muitas vezes ofuscar pela sua própria imagem de justiceiros e não consideram as motivações complexas e muitas vezes malévolas dos outros.

O pensamento que não tenha em conta as consequências é uma verdadeira praga no mundo de hoje, e não para de se agravar com o acesso fácil e rápido à informação, o que dá às pessoas a ilusão de que estão informadas e de que pensaram profundamente nas coisas. Veja algumas guerras autodestrutivas, como a invasão do Iraque em 2003, as tentativas de silenciar o governo norte-americano para obter ganhos políticos de curto prazo, o número crescente de bolhas financeiras, das ações de empresas tecnológicas ao imobiliário. Relacionado com estes factos está um distanciamento gradual da própria história, à medida que as pessoas tendem a encarar os acontecimentos presentes como se estivessem isolados no tempo.

Compreender: Qualquer fenómeno do mundo é, por natureza, complexo. As pessoas com que lidamos são igualmente complexas. Qualquer ideia desencadeia uma cadeia limitada de reações. Nunca é tao simples como A conduz a B, B conduz a C, a D, e por aí fora.


                                                1)Como achamos que funciona



2)Como realmente que funciona



Outros atores serão chamados a representar, e é difícil prever as suas motivações e respostas. Não se pode traçar um mapa destes encadeamentos ou dominar completamente as consequências. Mas, ao tornar o seu pensamento mais consequente, pode pelo menos aperceber-se das consequências negativas mais óbvias, e isto muitas vezes representa a diferença entre o sucesso e o fracasso. Pretenderá aprofundar o pensamento, avançar vários níveis imaginando as eventuais alterações, o máximo que a sua mente lhe permitir.

Muitas vezes, passar por este processo irá convencê-lo da prudência de nada fazer, de esperar. Quem sabe o que teria ocorrido na história se os conspiradores tivessem pensado nisto e decidido esperar até César morrer de causas naturais ou em batalha?

Se esta forma de pensamento é importante para os indivíduos, pode ser ainda mais crucial para organizações de grandes dimensões, em que muito está em causa para um grande número de pessoas. Num grupo ou numa equipa, deixe pelo menos uma pessoa encarregada de antecipar todas as possíveis consequências de uma estratégia ou linha de ação, de preferência alguém com uma visão cética e prudente. Será sempre importante investir neste processo, e o tempo e o dinheiro gastos compensarão largamente, na medida em que evitará potenciais catástrofes e desenvolverá planos mais sólidos.

2. Inferno tático. Descobre que se encontra envolvido em várias lutas ou batalhas. Não lhe parece estar a chegar a lado nenhum, mas sente que já investiu tanto tempo e energia que seria um terrível desperdício desistir. Na verdade, perdeu de vista os seus objetivos de longo prazo, aquilo que está realmente a combater. Em vez disso, trata-se agora de afirmar a sua individualidade e de provar que tinha razão. Vemos muitas vezes esta dinâmica nas quezílias entre cônjuges: já se trata de reparar o relacionamento, mas de impor o próprio ponto de vista vezes, preso nestas batalhas, sente-se defensivo e mesquinho, com o espírito a ser puxado para baixo. E quase um sinal inequívoco de que caiu num inferno. As nossas mentes estão concebidas para o pensamento estratégico, para calcular com várias jogadas de antecedência, tendo em vista os objetivos. No inferno tático, nunca consegue elevar o suficiente a sua perspetiva para pensar desta maneira.

Estará sempre a reagir aos movimentos desta ou daquela pessoa, envolvido nos seus dramas e emoções, a andar em círculos.

A única solução é retirar-se temporária ou várias permanentemente destas batalhas, em especial se estiverem a ocorrer em várias frentes. Precisará de algum distanciamento e perfectiva. Procure que o seu ego se acalme. Lembre-se que ganhar uma discussão ou provar que está certo, no fundo, não o leva a lado nenhum, longo prazo. Ganhe pelas ações e não pelas palavras. Crie uma escala de valores e objetivos na sua vida.

Com mais frequência do que imagina, irá aperceber-se de que, no fim, não vale a pena travar certas batalhas. É sempre melhor afastar-se de uma batalha circular, independentemente de quanto se sinta envolvido a nível pessoal. Sentir-se mesquinho e frustrado pode ter impacto na sua capacidade de pensar estrategicamente e de alcançar os seus objetivos. Na vida, tal como na guerra, os estrategas prevalecem sempre em detrimento dos táticos.

3. A febre da fita do telégrafo-impressor.

Durante o período anterior ao crash de Wall Street de 1929, muitas pessoas haviam ficado dependentes da especulação no mercado da Bolsa, e esta dependência tinha uma componente física o som da fita que saía das máquinas de cotação, que registava eletronicamente cada alteração no preço de uma ação. Ouvir esse estalido indicava que algo se estava a passar, que alguém estava a transacionar e a fazer fortuna. Muitas pessoas sentiam-se atraídas pelo som em si, que parecia o batimento cardíaco de Wall Street. Já não temos telégrafos-impressores com fitas. Mas muitas pessoas ficaram dependentes do ciclo de notícias minuto a minuto, de «o que está na moda», do feed de notícias do Twitter, que é com frequência acompanhado de um som metálico que tem os seus próprios efeitos narcóticos. Sentimo-nos sintonizados com o próprio fluir da vida, com acontecimentos, enquanto estes mudam, em tempo real, e com outras pessoas que seguem os mesmos relatos instantâneos.

Esta necessidade de saber de forma imediata tem uma energia inerente. A partir do momento em que esperamos ter notícias rapidamente, nunca mais poderemos regressar ao ritmo mais lento de apenas um ano atrás, por exemplo. De facto, sentimos que precisamos de mais informação, mais depressa. Esta impaciência tende a espalhar-se por todos os aspetos da vida - conduzir um automóvel, ler um livro, acompanhar um filme. O nível de atenção diminui, bem como a tolerância a quaisquer obstáculos pelo caminho.

Todos podemos reconhecer sinais desta impaciência nervosa nas nossas vidas, mas o que não reconhecemos é o efeito desfigurante que tem na forma como pensamos. As tendências do momento nos negócios ou na política - estão imbuídas em tendências mais latas que se manifestam ao longo de semanas e meses. Estes períodos de tempo mais alargados tendem a revelar os pontos fracos e fortes relativos de um investimento, de uma ideia estratégica, de uma equipa desportiva ou de um candidato político, que são muitas vezes o contrário do que vemos nas macrotendências do momento. Em isolamento, uma sondagem ou o preço de uma ação não nos dizem muito sobre estes pontos fortes e fracos. Dão-nos a impressão enganadora de que o que é revelado no presente acabará apenas por ser mais pronunciado com o tempo. E normal querer acompanhar as notícias mais atuais, mas basear qualquer tipo de decisão nestes instantâneos do momento é correr o risco de interpretar erradamente o cenário global.

Além disso, as pessoas tendem a reagir e a exagerar face a qualquer mudança negativa ou positiva no presente, e torna-se duplamente difícil resistir a ser-se polarizado pelo seu pânico ou exuberância.

Lincoln, durante e guerra civil norte-americana, constitui para todos nós o modelo e o antídoto da febre. Em primeiro lugar, temos de desenvolver a paciência, que é como um músculo que exige treino e repetição para se tornar forte. Lincoln era um homem extremamente paciente. Quando enfrentamos qualquer tipo de problema ou obstáculo, devemos seguir o seu exemplo e fazer um esforço no sentido de abrandar as coisas e de recuar, esperar um dia ou dois antes de passar à ação. Em segundo lugar, quando confrontados com questões importantes, temos de ter uma noção clara dos nossos objetivos de longo prazo e de como os alcançar. Parte disto implica avaliar os pontos fortes e fracos relativos das partes envolvidas. Esta clarividência permitir-nos-á assistir às constantes reações emocionais exageradas de quem nos rodeia. Finalmente, é importante confiar que o tempo acabará por nos dar razão e manter a determinação.

4.Perder-se em insignificâncias. Sente-se esmagado pela complexidade do seu trabalho. Sente necessidade de dominar todos os pormenores e tendências globais de modo a poder controlar melhor as coisas, mas está atolado em informação. É difícil distinguir a floresta das arvores. É um sinal evidente de que perdeu a noção das prioridades – que factos são mais importantes, que problemas ou pormenores exigem mais atenção. (Exemplo: rei Filipe II de Espanha que revelou um apetite burocrático de se manter a par de todas as facetas da governação espanhola, desde a instalações de casas de banho até à distância exata que deveriam estar da cozinha. Guerra com turcos acabou por ter um impacto desastroso a nível financeiro).

Assimilar demasiada informação conduz a fadiga mental, confusão e sensação de impotência. Tudo começa a parecer igualmente importante. O que precisa é de um sistema de filtragem mental baseado numa escala de prioridades e nos seus objetivos de longo prazo. Saber o que alcançar no fim irá ajudá-lo a separar o essencial do não essencial. Não irá desejar conhecer todos os pormenores. Por vezes, terá de delegar- deixe os seus subordinados lidarem com a recolha de informação.

 

O ser humano distanciado

A maior parte das pessoas vive dentro de uma janela temporal relativamente estreita. De modo geral, associamos a passagem do tempo a algo negativo - envelhecer e aproximarmo-nos da morte. Instintivamente, evitamos pensar demasiado futuro e no passado, porque nos lembram da passagem do tempo. Em relação ao futuro, podemos tentar pensar nos nossos planos daqui a um ano ou dois, mas esse pensamento é mais uma espécie de devaneio, um desejo, não uma análise profunda. Em relação ao passado, podemos ter algumas memórias agradáveis ou dolorosas da infância e dos anos seguintes, mas de modo geral esse passado confunde-nos. Mudamos tanto a cada ano que a pessoa que éramos há cinco, dez ou vinte anos pode parecer-nos um verdadeiro estranho. Não temos realmente uma ideia coerente de quem somos, uma sensação de ligação entre as nossas versões de cinco e de trinta cinco anos.

Não querendo ir muito longe em qualquer dos sentidos, vivemos dentro do presente. Reagimos ao que vemos e ouvimos e àquilo a que os outros reagem. Vivemos para prazeres imediatos, que nos distraem da passagem do tempo e nos fazem sentir mais vivos. Mas pagamos um preço por tudo isto. Reprimir o pensamento da morte e do envelhecimento cria uma ansiedade latente e constante. Não aceitamos a realidade. Reagir permanentemente a acontecimentos no presente põe-nos numa montanha-russa — para cima e para baixo, a cada oscilação do acaso. Isto mais não faz do que aumentar-nos a ansiedade, visto que a vida parece passar muito rapidamente na sucessão imediata dos acontecimentos.

A sua missão como estudioso da natureza humana e alguém que aspira a alcançar o potencial máximo do animal que é o homem consiste em alargar o mais possível a sua relação com o tempo e abrandá-lo. Isto significa que deixará de ver o passar do tempo como um inimigo, mas como um grande aliado. Cada fase da vida tem as suas vantagens- as da juventude são bastante óbvias, mas, com a idade, vem uma perspetiva mais alargada. Envelhecer não o assusta. A morte será igualmente sua amiga. Motiva-o a tirar o maior partido de cada momento; dá-lhe uma sensação de urgência. O tempo é o seu grande professor e mestre. Isto afeta-o profundamente no presente. A consciência de que, daqui a um ano, o problema que agora enfrenta não lhe parecerá tão importante irá ajudá-lo a reduzir a ansiedade e a ajustar as suas prioridades. Sabendo que o tempo revelará a fragilidade dos seus planos, tornar-se-á mais cuidadoso e refletirá mais sobre eles.

Em relação ao futuro, pensará profundamente nos seus planos de longo prazo. Não são sonhos vagos, mas objetivos concretos, e delineou um caminho para os alcançar. Em relação ao passado, tem uma sensação profunda de ligação com a sua infância. Sim, está sempre a mudar, mas estas mudanças são superficiais e criam a ilusão de uma verdadeira mudança. Na realidade, a sua personalidade definiu-se nos seus primeiros anos de vida, juntamente com a propensão para determinadas atividades, aquilo de que gosta e o que lhe desagrada. A medida que envelhece, esta personalidade tornar-se-á apenas mais aparente. Sentir-se organicamente sintonizado com quem é no passado dá-lhe uma sensação intensa de identidade. Sabe do que gosta e do que não gosta, sabe quem é. Isto irá ajudá-lo a manter o seu amor-próprio, que é determinante para evitar cair no narcisismo profundo para o ajudar a desenvolver empatia. Irá igualmente dar mais atenção aos erros e lições do passado, os quais quem está fechado no presente tende a reprimir.

Como toda a gente, aprecia o presente e os seus prazeres passageiros. Não é um monge. Liga-se às tendências do momento e ao fluxo constante da vida. Mas retirará ainda mais prazer de alcançar os seus objetivos de longo prazo e de ultrapassar a adversidade. Esta relação alargada com o tempo terá um efeito decisivo em si. Torná-lo-á mais calmo, mais realista, mais sintonizado com aquilo que importa. Também o transformará num estratega superior na vida, capaz de resistir aos exageros inevitáveis dos indivíduos face ao que acontece no presente e de ver no futuro, uma capacidade potencial que os seres humanos só agora começam a dominar.

Os anos ensinam muita coisa que os dias nunca saberão. —Ralph Waldo Emerson



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