# 9 Lei da Repressão- 9/18 Robert Greene
# 9 Lei da Repressão – Enfrente o seu Lado Negro
As pessoas raramente são quem
parecem ser. Por detrás de uma aparência bem-educada e afável espreita
inevitavelmente um lado sombrio e negro que consiste nas inseguranças e nos
impulsos agressivos e egoístas que reprimem e que escondem cuidadosamente dos
olhares públicos. Este lado negro transparece num tipo de comportamento que o
irá desconcertar e magoar. Aprenda a reconhecer os sinais da Sombra antes de se
tornarem tóxicos. Encare a característica mais evidente das pessoas - dureza, bondade,
etc - como algo que esconde o traço oposto. Deverá estar atento ao seu próprio
lado negro. Ao tomar consciência dele, poderá controlá-lo e canalizar as
energias negativas que espreitam no seu inconsciente. Ao integrar o lado negro
na sua personalidade, será um ser humano mais completo e irradiará uma
autenticidade que atrairá as pessoas para si.
Caso Richard Nixon
Para quem trabalhou de perto com
Richard Nixon, o homem era um enigma. De acordo com o principal redator dos
seus discursos, Ray Price, havia dois Nixons, um luminoso e um negro. O Nixon
luminoso era «excecionalmente atencioso, muito carinhoso, sentimental, de
espírito generoso, afável». O Nixon negro era «raivoso, vingativo, mal-humorado
e malévolo». Via estas duas facetas como estando «em guerra constante uma com a
outra». Mas talvez o observador mais perspicaz de Nixon, o que se aproximou
mais da chave do enigma, tenha sido Henry Kissinger, que fez questão de o
estudar minuciosamente para conseguir lidar com ele e até manipulá-lo em prol
dos seus próprios objetivos. E, de acordo com Kissinger, a explicação para
Nixon e para a cisão da sua personalidade deve residir de alguma forma na sua
infância. «Consegue imaginar», observou uma vez Kissinger, «o que este homem
poderia ter sido se alguém o tivesse amado?»
Em criança, Nixon parecia
invulgarmente carente. Era um verdadeiro bebé chorão; era preciso muito para o
acalmar quando ficava lavado em lágrimas. Queria mais atenção, mais azáfama à
sua volta, e era bastante manipulador se não conseguisse essas coisas. Os pais
não gostavam deste aspeto do filho. Tendo crescido nos tempos pioneiros da
Califórnia do Sul, preferiam ter um filho estoico e confiante. O pai de Nixon
podia ser fisicamente abusivo e frio. A mãe era mais carinhosa, mas ficava com
frequência deprimida e era temperamental. Tinha de lidar com os fracassos
empresariais do marido e com dois irmãos débeis de Richard que morreram cedo.
Muitas vezes era obrigada a deixar Richard sozinho durante meses para dar
atenção aos irmãos, o que Richard deve ter vivido como uma espécie de abandono.
Ao lidar com progenitores tão
difíceis, a personalidade de Nixon formou-se. Procurando ultrapassar e
disfarçar as suas vulnerabilidades, criou uma persona que lhe foi bastante
útil, primeiro com a família e mais tarde com o público. Para esta persona,
acentuou os seus próprios pontos fortes e desenvolveu outros novos. Tornou-se
extremamente forte, resistente, corajoso, decidido, racional e alguém que não
estava para brincadeiras, especialmente em debate. (De acordo com Kissinger,
«Não havia nada que receasse mais do que pensassem que era fraco».) Mas a
criança fraca e vulnerável que existia dentro de si não desapareceu
milagrosamente. Tinha de ser enfrentada ou resolvida, e a sua presença
mergulhava no inconsciente, com as sombras da personalidade, à espera de surgir
de forma estranha. Transformou-se no seu lado negro.
Com Nixon, sem que experimentasse
stresse ou níveis invulgares de ansiedade, este lado negro agitava-se lá bem do
fundo, sob a forma de inseguranças intensas «ninguém gosta de mim»), de
desconfianças (inimigos por toda a parte), explosões e birras súbitas e desejos
intensos de manipular e de prejudicar aqueles que achava terem-no ofendido.
Nixon reprimia e negava este seu
lado com veemência, mesmo no fim, nas últimas palavras aos elementos da sua
equipa. Dizia frequentemente às pessoas que nunca gritava ou guardava
ressentimentos ou se preocupava com o que os outros pensavam dele, o contrário
da verdade. Durante muito tempo, interpretou bem este papel como RN. Mas,
quando a sombra se agitou, surgiu um comportamento estranho, o qual dava às
pessoas que conviviam com ele de forma regular a Impressão de estarem a lidar
com dois Nixons. Para Kissinger, era como ver o filho mal-amado regressar à
vida. O lado negro de Nixon tornou-se finalmente algo tangível sob cassete.
Nixon sabia que tudo o que dizia estava a ser gravado, mas nunca se teve ou
filtrou as suas palavras. Insultava amigos próximos nas suas costas a acessos
ferozes de paranoia e a fantasias de vingança, falava sem parar, cedia decisões
mais simples. Era um homem que receava imenso a mais pequena interna e que
desconfiava de que quase toda a gente à sua volta o estava a trair. No entanto,
confiava o seu destino a cassetes que julgava nunca virem a público de forma
não editada. Mesmo quando pareceu que se poderiam tornar públicas e foi
aconselhado a destruí-las, agarrou-se a elas, hipnotizado por este outro Nixon
que surgira. Foi como se secretamente desejasse o seu próprio castigo, a criança
e o lado negro a vingarem-se de serem negados de forma tão profunda.
Compreender: A história de Nixon está mais
próxima de si e da sua realidade do que poderia imaginar. Tal como Nixon,
desenvolveu uma persona pública que acentua os seus pontos fortes e esconde as
suas fragilidades. Tal como ele, reprimiu os traços socialmente menos
aceitáveis que possuía naturalmente em criança. Tornou-se terrivelmente
simpático e agradável. E, tal como ele, possui um lado negro, um lado que tem
relutância em aceitar ou analisar. Contém as suas inseguranças mais profundas,
os seus desejos secretos de magoar as pessoas, mesmo as que estão perto de si,
as suas fantasias de vingança, as suas desconfianças acerca dos outros, a sua
fome de mais atenção e poder. Este lado negro atormenta os seus sonhos.
Revela-se nos momentos de depressão inexplicável, de ansiedade invulgar, nos
momentos de suscetibilidade, nas carências súbitas e nos pensamentos de
desconfiança. Revela-se em comentários repentinos que mais tarde lamentará.
E, por vezes, tal como Nixon,
desemboca num comportamento destrutivo. Tende a culpar as circunstâncias e as
outras pessoas por estes estados de espírito e comportamento, mas eles
continuam a verificar-se porque não tem consciência da sua origem. A depressão
e a ansiedade surgem pelo facto de não se encontrar por completo no seu, por
estar sempre a representar um papel. É preciso muita energia para manter este
lado negro controlado, mas tendências para a desconfiança e a projeção das suas
próprias emoções negativas nos outros. Poderá ver que os impulsos egoístas e
prejudiciais também vivem dentro de si, que não é tão angelical ou forte como
imagina. Com esta consciência virá o equilíbrio e uma maior tolerância face aos
outros.
Talvez pareça que apenas aqueles
que projetam uma força e bondade constantes podem ser bem-sucedidos, mas não é
de todo o caso. Ao desempenhar um papel a esse nível, ao tentar viver à altura
de ideais que não são verdadeiros, comunicará uma dissimulação que os outros
captam. Veja grandes figuras como Abraham Lincoln e Winston Churchill. Possuíam
a capacidade de analisar os seus defeitos e erros e de se rirem de si mesmos.
Apresentaram-se como genuinamente humanos, e foi esta a origem do seu encanto.
A tragédia de Nixon foi ter um imenso talento e inteligência políticos; se
também possuísse a capacidade de olhar para dentro e de avaliar os lados mais
negros da sua personalidade... E a tragédia que nos assola a todos quando
permanecemos em negação profunda.
Este desejo de cometer uma loucura
permanece connosco ao longo das nossas vidas. Quem não teve alguma vez, na
companhia de alguém, à beira de um abismo ou bem lá no alto, numa torre, o
impulso súbito de empurrar o outro? E como se explica que magoemos aqueles que
amamos apesar de sabermos que se seguirá o remorso? Todo o nosso ser não é mais
do que uma luta contra as forças negras que se encontram dentro de nós. Viver é
lutar com trolls de alma e coração. Escrever é sentarmo-nos a avaliar a nossa
própria pessoa.
—Henrik Ibsen
Explicações
da natureza humana
Se pensarmos nas pessoas que
conhecemos e vemos com regularidade, teremos de concordar que são normalmente
bastante simpáticas e agradáveis. De modo geral, parecem agradadas por se
encontrar com a nossa companhia, são relativamente francas e de confiança,
socialmente responsáveis, capazes em equipa, tomam conta de si e tratam bem dos
outros.
Contudo, de vez em quando, com
estes amigos, conhecidos e colegas, temos vislumbres de um comportamento que
parece contrariar aquilo que vemos normalmente.
Isto pode ocorrer de várias formas.
Do nada, fazem uma crítica ou mesmo comentário cruel sobre nós ou expressam uma
avaliação bastante dura do nosso trabalho ou personalidade. Será aquilo que
realmente sentem e que estão a tentar esconder? Por um momento, não são assim
tão simpáticas. Ou ouvimos tratamento desagradável da sua parte face a família
ou funcionários, à porta fechada. Ou então, do nada, têm um caso com o homem ou
com a mulher mais improváveis, e a coisa acaba mal. Ou investiram todo o seu
dinheiro num financeiro absurdo e arriscado. Ou fizeram algo precipitado que
lhes pôs a carreira em risco. Ou apanhamo-los numa mentira ou ação
manipuladora. Também podemos detetar momentos de excesso ou um comportamento
contrário ao habitual numa pessoa, em figuras públicas e celebridades, que se
desfazem então em demorados pedidos de desculpa pelos estranhos estados de espírito
que se apoderaram delas.
O que vislumbramos nestes momentos
é o lado negro da sua personalidade aquilo a que o psicólogo suíço Carl Jung
chamou a Sombra. A Sombra consiste em todo o tipo de traços que as pessoas
tentam negar sobre si mesmos e que recalcam, Este recalcamento é tão profundo e
eficaz que as pessoas normalmente não têm consciência da sua Sombra; esta opera
a nível inconsciente. De acordo com Jung, a Sombra tem uma densidade que
depende de quão profundo é o nível de repressão e do número de traços que estão
a ser escondidos. Nixon teria uma Sombra particularmente densa. Quando vivemos
estes momentos em que as pessoas revelam o seu lado negro, podemos ver algo
apoderar-se do seu rosto; a sua voz e linguagem corporal alteram-se - quase
como se outra pessoa nos estivesse a confrontar. As características da criança
perturbada tornam-se subitamente visíveis. Sentimos a sua sombra à medida que
esta se agita e emerge.
A Sombra permanece enterrada muito
profundamente, mas é perturbada e ativa-se em momentos de stresse ou quando se
desencadeiam mágoas e inseguranças profundas. Também tende a emergir mais à
medida que as pessoas envelhecem. Quando somos novos, tudo parece
entusiasmar-nos, incluindo os papéis sociais que temos de interpretar. Mas,
mais tarde, na vida, cansamo-nos das máscaras que usámos e deixamos
transparecer mais do nosso interior.
Como raramente vemos a Sombra, as
pessoas com quem lidamos são de alguma forma estranhos para nós. E como se
víssemos apenas uma imagem bidimensi0nd e plana das pessoas - o seu lado social
agradável. Conhecer os contornos da sua Sombra fá-las ganharem vida a três
dimensões. Esta capacidade de ver a pessoa em todo o seu volume representa um
passo determinante no nosso conhecimento da natureza humana. Munidos deste
conhecimento. Podemos antecipar o comportamento das pessoas em momentos de
stresse, compreender os seus motivos ocultos e não ser arrastados para o fundo
por tendências autodestrutivas.
A Sombra desenvolve-se nos
primeiros anos de vida e tem origem em duas formas num conflito que captamos.
Em primeiro lugar, viemos a este mundo cheios de energia e de intensidade. Não
compreendemos a diferença entre comportamento aceitável e inaceitável; tínhamos
apenas impulsos naturais. Alguns destes impulsos eram agressivos. Queríamos
monopolizar a atenção dos progenitores e receber muito mais do que os nossos
irmãos. Vivemos momentos de grande afeto, mas também aversões e ódios intensos,
inclusive pelos nossos pais, por não satisfazerem as nossas necessidades. Queríamos
sentir-nos superiores de alguma maneira e apreciados por isso - pela aparência,
pela força ou pela inteligência. Podíamos ser espantosamente egoístas se nos
negassem o que desejávamos e tornarmo-nos retorcidos e manipuladores para
conseguir. Podíamos até sentir algum prazer em magoar as pessoas ou imaginar
formas de nos vingarmos. Experimentámos e expressámos todo o leque de emoções.
Não somos os anjos inocentes que as pessoas pensam que as crianças são.
Ao mesmo tempo, fomos completamente
vulneráveis e dependentes dos nossos pais em termos de sobrevivência. Esta
dependência durou muitos anos. Observámos os nossos pais com olhos de lince,
detetando cada sinal de aprovação e desaprovação nos seus rostos.
Castigavam-nos por termos demasiada energia e desejavam que nos sentássemos
sossegados. Por vezes achavam-nos demasiado voluntariosos e egoístas. Sentiam
que as outras pessoas os estavam a julgar pelo comportamento do seu filho, por
isso queriam que nos portássemos bem, que representássemos para os outros, que
agíssemos como anjinhos. Instavam-nos a cooperar e a jogar limpo, embora por
vezes desejássemos comportar-nos de forma diferente. Incitavam-nos a moderar as
nossas necessidades, a sermos mais aquilo de que eles precisavam nas suas vidas
stressantes. Dissuadiam ativamente as nossas birras e qualquer forma de
exagero.
À medida que envelhecemos, estas
pressões no sentido de apresentar uma fachada específica surgem vindas de
outras direções colegas e professores. Era excelente revelar alguma ambição,
mas não demasiada, caso contrário poderia parecer antissocial. Podíamos
transparecer confiança, mas não demasiada, caso contrário poderia ser encarada
como uma afirmação da nossa superioridade. A necessidade de pertencer ao grupo
tornou-se uma motivação fundamental, e aprendemos a recalcar e a limitar o lado
negro da nossa personalidade. Interiorizámos todos os ideais da nossa cultura -
ser simpáticos, ter valores pró-sociais. Grande parte deste processo é
essencial para um funcionamento ordeiro da vida social, mas no processo uma
grande parte da nossa natureza passou para um nível subterrâneo, para a Sombra.
(Claro que algumas pessoas nunca aprenderam a controlar estes impulsos mais
negros e acabam por os expor na vida real os criminosos que vivem entre nós.
Mas mesmo os criminosos tentam parecer agradáveis durante grande parte do tempo
e justificar o seu comportamento.)
A maior parte das pessoas conseguiu
tornar-se um animal social positivo, mas à custa de algo. Acabamos por perder a
intensidade do que vivemos na infância, todo o leque de emoções, e até a
criatividade que decorria desta energia mais selvagem. Ansiamos secretamente
recuperá-la de alguma forma. Somos atraídos por aquilo que é exteriormente
proibido - a nível sexual ou social. Podemos recorrer ao álcool, à droga ou a
qualquer estimulante, porque os nossos sentidos estão entorpecidos, as mentes
demasiado limitadas pela convenção. Acumulamos muitas mágoas e ressentimentos
pelo caminho, que procuramos esconder dos outros, e a Sombra torna-se mais
densa. Se experimentarmos sucesso na vida, tornamo-nos dependentes de atenção
positiva, e, nos inevitáveis momentos depressivos em que a droga desta atenção
esgota o seu efeito, a Sombra é perturbada e ativada.
Esconder este lado negro exige
energia; pode ser esgotante apresentar sempre uma aparência tão simpática e
confiante. E por isso a Sombra deseja libertar alguma da tensão interior e
regressar à vida. Como o poeta Horácio em tempos afirmou, “Pode extrair-se a
natureza com uma forquilha, mas ela voltará sempre”. Deverá tornar-se
especialista no reconhecimento destes momentos de libertação nos outros e de os
interpretar, vendo os contornos da Sombra que agora se apresentam. Eis alguns
dos mais notórios sinais desta libertação.
Comportamento contraditório: Trata-se do sinal mais eloquente
de todos. Consiste em ações que
desmentem a fachada cuidadosamente construída que as pessoas apresentam. Por
exemplo, uma pessoa que prega a moral é subitamente apanhada numa situação comprometedora.
Ou alguém com um aspeto duro revela inseguranças e histeria no momento errado.
Ou uma pessoa que prega o amor livre e um comportamento aberto torna-se
subitamente bastante dominadora e autoritária. O comportamento estranho e
contraditório é uma expressão direta da Sombra.
Explosões emocionais: Alguém perde subitamente o
autocontrolo habitual e expressa uma revolta intensa ou diz algo cortante e
ofensivo. Depois de tal libertação, poderá culpar o stresse, dizer que não
queria expressar nada daquilo' quando de facto se trata precisamente do
contrário a Sombra falou. Tome à letra aquilo que disseram. A um nível menos
intenso, as pessoas podem ficar de repente invulgarmente sensíveis e
vulneráveis. Alguns dos seus medos e inseguranças mais profundos da infância
foram de alguma forma ativados, e isto deixa-as híper alerta a qualquer
possível ofensa e prontas para explosões mais pequenas.
Negação veemente: De acordo com Freud, a única forma
de algo desagradável e desconfortável no nosso inconsciente poder alcançar a
mente consciente é através da negação ativa. Expressamos precisamente o
contrário do que está enterrado dentro de nós. Pode ser alguém a esbravejar
contra a homossexualidade, quando na verdade sente o contrário. Nixon
envolvia-se frequentemente nestas negações, como quando dizia a outras pessoas,
nos termos mais duros, que nunca gritava, guardava rancor, cedia a fraquezas ou
se preocupava com o que as pessoas pensavam dele. Devem reinterpretar-se as
negações como expressões positivas de desejos da Sombra.
Comportamento «acidental»: As pessoas podem defender que é
preciso abandonar um vício ou manterem-se afastadas de um relacionamento
autodestrutivo. Caem então no comportamento que disserem tentar evitar,
culpando-o pelo facto de desenvolver uma doença ou uma dependência incontrolável.
Isto salva-lhes a consciência de ceder ao seu lado negro; simplesmente não o
conseguem evitar. Ignore as justificações e veja a Sombra em ação e a
libertar-se. Lembre-se também de que, quando as pessoas estão ébrias e se
comportam de maneira diferente, muitas vezes não é o álcool a falar, mas a
Sombra,
Idealização excessiva: Isto pode servir como um dos mais
poderosos disfarces para a Sombra. Digamos que acreditamos numa causa, como a
importância da transparência nas nossas ações, especialmente na política. Ou
que admiramos e seguimos o líder dessa causa. Ou que decidimos que algum tipo
de investimento financeiro — seguros associados ao crédito à habitação, por
exemplo — representa 0 derradeiro e mais sofisticado caminho para a riqueza.
Nestas situações, vamos muito mais longe do que mero entusiasmo. Estamos
carregados de uma forte convicção. Atenuamos quaisquer defeitos, incoerências
ou possíveis inconvenientes. Vemos tudo a preto e branco — a nossa causa é
moral, moderna e progressista; o outro lado, incluindo os céticos, é mau e
reacionário.
Sentimo-nos agora autorizados a
fazer tudo pel'a causa mentir, enganar, manipular, espiar, falsificar dados
científicos, vingarmo-nos. Tudo o que o líder faz é justificado. No caso do
investimento, sentimo-nos justificados a aceitar aquilo que normalmente poderia
ser visto como grandes riscos, porque desta vez o instrumento financeiro é
diferente e novo, não sujeito às regras habituais. Podemos ser tão ambiciosos
quanto quisermos sem nos preocuparmos com as consequências.
Tendemos a sentir-nos ofuscados pela força da
convicção das pessoas e a Interpretar um comportamento excessivo como simples
fervor exagerado. Mas deveríamos vê-lo sob uma luz diferente, ao idealizar
excessivamente uma causa, pessoa ou objeto, os indivíduos podem dar rédea solta
à Sombra. É motivação inconsciente. A intimidação, as manipulações e a ganância
que surgem em nome da causa ou produto deveriam ser aceites de forma literal,
com essa convicção exageradamente forte a fornecer um disfarce simples para
expressar emoções recalcadas.
Relacionado com este aspeto, nas
discussões, as pessoas irão usar as suas convicções fortes como forma perfeita
de disfarçar os seus desejos de perseguir e intimidar. Debitam estatísticas e
histórias (que se podem sempre encontrar) para reforçar a sua posição e depois
insultam ou contestam a nossa integridade. E apenas uma troca de ideias, dizem.
Preste atenção ao tom intimidatório e não se deixe enganar. Os intelectuais
podem ser mais subtis. Mostrar-se-ão arrogantes com uma linguagem e ideias
obscuras que não conseguimos descodificar, e somos obrigados a sentir-nos
interiores pela nossa ignorância. Em todo o caso, vemo-lo como uma agressão
reprimida que encontra forma de transparecer.
Projeção: Esta é de longe a forma mais comum
de lidar com a Sombra, porque apresenta uma libertação quase diária. Não
conseguimos reconhecer para nós mesmos determinados desejos — de sexo, de
dinheiro, de poder, de superioridade em alguma área e, por isso, em vez de o
fazermos, canalizamos esses desejos para os outros. Por vezes imaginamos
simplesmente e projetamos por completo essas qualidades do nada, de modo a
julgar e condenar as pessoas. Outras vezes encontramos pessoas que expressam
esses desejos tabu de alguma forma e exageramo-los de modo a justificar a nossa
aversão ou ódio.
Por exemplo, acusamos outra pessoa,
num conflito, de desejar a autoridade. Na verdade, está a apenas a defender-se.
Somos nós quem secretamente deseja dominar, mas, se o virmos primeiro do outro
lado, podemos dar livre expressão ao nosso desejo reprimido sob a forma de
juízo de valor e justificar a nossa própria resposta autoritária. Digamos que
reprimidos muito cedo impulsos assertivos e espontâneos tão naturais à criança.
Inconscientemente, desejamos recuperar essas qualidades, mas não conseguimos
ultrapassar os nossos tabus interiores. Procuramos os indivíduos menos
inibidos, mais assertivos e abertos na sua ambição. Exageramos estas
tendências. Agora podemos desprezá-las e, ao pensar nelas dar rédea solta ao que
não conseguimos aceitar em nós ou acerca de nós.
O grande compositor alemão do
século XIX Richard Wagner expressava com frequência sentimentos antissemitas.
Culpava os judeus por destruírem a música ocidental com os seus gostos
ecléticos, sentimentalismo e ênfase no brilhantismo técnico. Ansiava por uma
música germânica mais pura, que haveria de criar. A maior parte daquilo pelo
qual culpava os judeus na música era completamente inventado. No entanto,
Wagner, estranhamente, apresentava muitas das características que parecia odiar
nos judeus. Os seus gostos eram bastante ecléticos. Tinham tendências
sentimentais. Muitos dos pianistas e maestros com que trabalhou eram judeus, em
virtude da sua mestria técnica.
Não esquecer: por detrás de um ódio veemente encontra-se
muitas vezes uma inveja secreta e incómoda da pessoa ou pessoas odiadas. Só
através deste ódio pode ser libertada de alguma forma do inconsciente.
Considere-se um detetive quando se
trata de montar o quebra-cabeças da sombra das outras pessoas. Através de
várias pistas que deteta, pode preencher os contornos dos seus desejos e
impulsos reprimidos. Isto irá permitir-lhe antecipar fugas futuras e um
comportamento estranho típico da Sombra. Certifique-se de que esse
comportamento nunca acontece apenas uma vez, caso contrário tenderá a surgir em
diferentes áreas. Se, por exemplo, detetar tendências intimidatórias na forma
como alguém argumenta, também as irá identificar noutras atividades.
Pode ficar com a ideia de que este
conceito da Sombra é de alguma forma antiquado. Afinal, vivemos hoje numa
cultura muito mais racional e cientificamente orientada. Pode dizer-se que as
pessoas são mais transparentes e autoconscientes do que nunca. Somos muito
menos reprimidos do que os nossos antepassados, que tinham de lidar com todo o
tipo de pressões da religião oficial. No entanto, a verdade poderá
perfeitamente ser o contrário. Em muitos sentidos, estamos mais divididos do
que nunca entre o nosso consciente, os nossos eus sociais e a nossa Sombra
inconsciente. Vivemos numa cultura que impõe poderosos códigos de correção a
que devemos obedecer ou enfrentar o aviltamento que é hoje tão comum nos órgãos
de comunicação social. Espera-se que vivamos à altura de ideais de altruísmo,
que são impossíveis para nós porque não somos anjos. Tudo isto recalca ainda
mais o lado negro das nossas personalidades.
Podemos ler sinais deste fenómeno
na forma profunda e secreta como somos atraídos para o lado negro da nossa
cultura. Vibramos ao ver programas em que várias personagens maquiavélicas
manipulam, enganam e dominam. Dos noticiários, absorvemos histórias sobre
pessoas que foram apanhadas e apreciamos a vergonha que se segue. Os assassinos
em série e líderes de culto diabólicos deixam-nos enfeitiçados. Com estes programas
e notícias, podemos sempre ser moralistas e falar do muito que desprezamos
estes vilões, mas a verdade é que a cultura alimenta constantemente estas
figuras porque estamos sedentos de expressões do lado negro. Tudo isto nos
oferece um nível de libertação da tensão que experimentamos ao interpretar o
papel de anjos e de ser muito corretos.
Trata-se de formas relativamente
inofensivas de libertação, mas existem outras mais perigosas, especialmente no
campo da política, damos connosco cada vez atraídos por líderes que dão rédea
solta a este lado negro, que expressam a hostilidade e o ressentimento que
todos experimentamos secretamente coisas que não ousaríamos pronunciar. Na
segurança do grupo e associado? uma causa, permitimo-nos projetar e descarregar
o mau humor em vários expiatórios. Ao idealizar o líder e a causa, somos agora
livres de agir de que normalmente evitaríamos como indivíduos. Estes demagogos
são adeptos de exagerar as ameaças que enfrentamos, pintando tudo a preto e
branco. Agitam medos, inseguranças e desejos de vingança que recalcámos, mas
que estão à espeta de explodir a qualquer instante, em contexto de grupo.
Iremos encontrar cada vez mais destes líderes à medida que vivemos níveis mais
profundos de repressão e tensão interior.
O escritor Robert Louis Stevenson
expressou esta dinâmica no romance O Estranho Caso do Dr. Jekyll e de Mr. Hyde,
publicado em 1886. A Personagem principal, Dr.Jekyll, é um médico/cientista
respeitado e abastado adaptado à maneira dos modelos ideais de bondade da nossa
cultura. Inventa uma poção que o transforma em Mr. Hyde, a personificação da
sua Sombra, o qual assassina, viola e cede aos prazeres sensuais mais
selvagens. A ideia de Stevenson é a de que quanto mais civilizados e morais nos
tornamos exteriormente, potencialmente mais perigosa é a Sombra, aquilo que
negamos ferozmente. Segundo a descrição da personagem de Dr. Jekyll, «O meu
demónio estava há muito enjaulado. Saiu a rugir».
A solução não é mais recalcamento e
correção. Nunca podemos alterar a natureza humana através de uma amabilidade
imposta. A coerção não funciona. Nem a solução de tentar libertar a Sombra no
grupo, o que é volúvel e perigoso. Em vez disso, a resposta é ver a Sombra em
ação e tornarmo-nos mais autoconscientes. E difícil não projetar os nossos
impulsos secretos nos outros ou idealizar excessivamente alguma causa, depois
de tomarmos consciência do mecanismo que opera dentro de nós. Através desse
autoconhecimento, podemos arranjar uma forma de integrar o lado negro no nosso
consciente de forma produtiva e criativa. Ao fazê-lo, tornamo-nos mais
autênticos e completos, explorando ao máximo as energias que possuímos
naturalmente.
Decifrar
a Sombra: comportamento contraditório
Ao longo da vida, irá deparar com
pessoas que têm traços muito empáticos que as destacam e que parecem ser a
origem da sua força uma confiança invulgar' uma amabilidade e afabilidade
excecionais, grande retidão mortal e uma aura de santidade, dureza e uma
masculinidade inflexível, um intelecto intimidatório. Se olhar para elas
atentamente, poderá notar um ligeiro exagero destes traços, como se estivessem
a representar ou a exagerar um pouco. Como estudioso da natureza humana, deverá
compreender a realidade: a empatia geralmente funda-se no traço oposto, distraindo
e escondendo-o do olhar público. Esta realidade pode manifestar-se de duas
formas: muito cedo, as pessoas sentem em si uma delicadeza, vulnerabilidade ou
insegurança que se pode revelar embaraçosa ou desconfortável.
Inconscientemente, desenvolvem o traço contrário, uma resistência ou dureza que
fica do lado exterior, como uma casca protetora. O outro cenário é alguém
possuir uma característica que se pode considerar antissocial — por exemplo,
demasiada ambição ou uma propensão para ser egoísta. Desenvolve a qualidade
contrária, ser muito pró-social.
Em ambos os casos, com os anos,
estes indivíduos refinam e aperfeiçoam esta imagem pública. A fragilidade
subjacente ou o traço antissocial é uma componente determinante da sua Sombra —
algo negado e reprimido. Mas, como as leis da natureza humana ditam, quanto
mais profundo é o recalcamento, maior é a volatilidade da Sombra. A medida que
envelhecem ou experimentam stresse, surgirão fendas na fachada. Estão a
interpretar um papel ao extremo, e é cansativo. O seu verdadeiro eu irá
revelar-se sob a forma de estados de espírito, obsessões, vícios secretos e de
um comportamento muito diferente da sua imagem e que é com frequência
autodestrutivo.
A sua missão é simples: tenha muito
cuidado junto de pessoas que apresentem traços de empatia. E muito fácil
deixar-se levar pelas aparências e pelas primeiras Impressões. Procure os
sinais e a emergência do contrário, com o tempo. E muito mais fácil lidar com
estes tipos quando os compreende. Deverá aprender a reconhecer os sete traços
empáticos comuns que se seguem e lidar com eles devidamente.
O Tipo Duro: Projeta uma masculinidade
inflexível. Tem vaidade e um ar que revela que é alguém que não está para
brincadeiras. Tende a vangloriar-se acerca de proezas passadas - as mulheres
que conquistou, as rixas em que esteve envolvido, as vezes em que venceu
adversários. Embora pareça extremamente convincente ao contar estas histórias,
elas parecem exageradas, quase difíceis de acreditar. Não se deixe enganar
pelas aparências. Estes homens aprenderam a esconder uma delicadeza subjacente,
uma vulnerabilidade emocional profunda que os deixa aterrados, De vez em quando
irá ter um vislumbre deste lado sensível - podem chorar, fazer uma birra ou
revelar subitamente compaixão. Envergonhados por isso, irão disfarçar
rapidamente com uma ação ou comentário duros ou mesmo cruéis.
Não se deve deixar intimidar pelas
aparências, mas também ter o cuidado de não agitar demasiado as suas
inseguranças profundas parecendo duvidar das suas histórias ou da sua natureza
masculina. São extremamente suscetíveis, e poderá detetar um microbeicinho no
seu rosto se ativar as suas inseguranças, antes de o disfarçarem com um
sobrolho carrancudo e feroz. Se porventura tiver um rival deste tipo será fácil
atraí-lo para uma reação excessiva que revele tudo menos a sua dureza.
O Santo: Estas pessoas são o paradigma da
bondade e da pureza. Defendem as melhores e as mais progressistas causas. Podem
ser muito espirituais, se for esse o círculo em que se encontram, estar acima
da corrupção e dos compromissos da política ou revelar uma compaixão infinita
por qualquer tipo de vítima. Esta aparência exterior desenvolveu-se muito cedo
como forma de disfarçarem a sua intensa fome de poder e de atenção ou os seus
fortes apetites sensuais. A ironia é que muitas vezes, ao projetarem esta aura
de santidade ao enésimo grau, ganham grande ascendente, que pode conduzir a um
culto ou partido político. E, a partir do momento em que se encontram no poder,
a Sombra terá espaço para operar. Tornar-se-ão intolerantes, insurgindo-se
contra os impuros, castigando-os, se necessário. Maximilien Robespierre
(cognominado o Incorruptível), que subiu ao poder durante a Revolução Francesa,
era um destes tipos. Sob a sua influência, a guilhotina nunca teve tanto que
fazer.
Também são secretamente atraídos
por sexo, por dinheiro, pela ribalta e pelo que é expressamente tabu para a
santidade específica que encarnam. A pressão e as tentações são demasiadas -
são os gurus que dormem com os discípulos. Parecem santos em público, mas as
suas famílias ou cônjuge deparam com o seu lado demoníaco em privado. São
verdadeiros santos para o exterior, mas não sentem necessidade de publicitar os
seus feitos ou de controlar o poder. Para distinguir entre o que é verdadeiro e
o que é falso, ignore as suas palavras e a aura que projetam e concentre-se nas
ações e nos pormenores da sua vida — como parecem apreciar o poder e a atenção,
o espantoso volume de riqueza que. acumularam, o número de amantes que tiveram,
o seu nível de egocentrismo. Quando reconhecer este tipo, não se torne um
seguidor ingénuo. Mantenha-se à distância. Se se tratar de um inimigo, basta
denunciar os seus claros sinais de hipocrisia.
Como variante, irá descobrir
pessoas que defendem uma filosofia de amor livre de vale tudo, mas que no fundo
procuram o poder. Preferem ter relações sexuais aqueles que delas dependem. E
claro que tudo é possível, desde que se enquadre nas suas condições.
O Sedutor Passivo-Agressivo: Estes tipos são extraordinariamente
simpáticos e obsequiosos quando os conhece pela primeira vez, de tal maneira
que tende a deixá-los entrar facilmente na sua vida. Sorriem muito. São
otimistas e estão sempre prontos a ajudar. A dada altura, poderá devolver o
favor contratando-os para um cargo ou ajudando-os nas suas carreiras.
Entretanto, irá detetando algumas rachas no verniz - talvez façam algum
comentário um pouco crítico vindo do nada ou saiba por amigos que têm andado a
falar de si nas suas costas. Então acontece algo feio - um ataque de fúria, um
ato de sabotagem ou de traição -, muito diferente da pessoa simpática e
encantadora de quem se tornou amigo.
A verdade é que estes tipos se
apercebem cedo de que têm uma tendência para a agressividade e para a inveja
difícil de controlar. Desejam poder. Intuem que essas inclinações lhes
dificultam a vida. Ao longo de muitos anos, cultivam a fachada contrária - a
sua simpatia assume quase um toque agressivo. Através deste estratagema,
conseguem ganhar poder social. Mas não gostam de ter de interpretar esse papel
e de ser tão atenciosos. Não o conseguem manter. Sob stresse ou simplesmente
esgotados pelo esforço, atacam-no e magoam-no. Podem fazê-lo bem, agora que o
conhecem a si e aos seus pontos fracos. Irão, naturalmente, culpá-lo pelos acontecimentos
resultantes.
A sua melhor defesa é ser cauteloso
com pessoas que são demasiado rápidas a seduzir e a fazer amigos, demasiado
simpáticas e obsequiosas à partida. Essa amabilidade extrema nunca é natural.
Mantenha-se afastado e procure sinais reveladores, como comentários
passivo-agressivos. Se verificar como algo que não se encaixa na sua
personalidade - que cedem a mexericos maliciosos acerca de alguém, pode ter a
certeza de que é a Sombra a falar e de que um dia também será o alvo dessa
maledicência.
O Fanático: Ficará impressionado com o seu
fervor, seja qual for a causa em nome da qual estes indivíduos o apliquem.
Falam de forma convincente. Não permitem cedências. Irão limpar tudo, repor a
grandeza. Irradiam força e convicção e por isso ganham seguidores. Têm queda
para a dramatização e para captar as atenções. Mas, no momento-chave, em que
poderiam oferecer aquilo que prometeram, inesperadamente, resvalam. Hesitam na
altura errada, esgotam-se e ficam doentes ou realizam ações tão mal pensadas que
tudo se desmorona. É como se subitamente tivessem perdido a fé ou secretamente
quisessem falhar.
A verdade é que estes indivíduos
revelam grandes inseguranças desde cedo. Têm dúvidas sobre o seu valor. Nunca
se sentiram suficientemente amados admirados. Crivados de medos e de incerteza,
disfarçam-no com a máscara de grandes crentes, em si próprios e na sua causa.
No seu passado, detetará alguns desvios no seu sistema de crenças, por vezes
radicais. Isso acontece porque é a crença em particular aquilo que importa, mas
a convicção intensa, e por isso irão alterar aquela de acordo com as
circunstâncias. A crença em algo é para eles como uma droga. Mas as dúvidas
regressam. Sabem secretamente que não podem fornecer aquilo que estão a vender.
E por isso, sob stresse, tornam-se o contrário — indecisos e secretamente
céticos. Despedem subitamente os assistentes e gestores para darem a impressão
de agir, mas, inconscientemente, estão a sabotar-se com uma mudança
desnecessária. Têm de rebentar com tudo, de alguma forma, e de culpar os outros
por isso.
Nunca se deixe levar pela força das
convicções das pessoas e pela sua queda para a dramatização. Guie-se sempre
pela ideia de que, quanto maior for a estridência do que dizem, mais profundas
serão as inseguranças e dúvidas subjacentes. Não se torne um seguidor. Irão
enganá-lo.
O Racionalista Rígido: Todos nós temos tendências
irracionais. E o derradeiro legado das nossas origens primitivas. Nunca nos
libertaremos delas. Temos tendência para a superstição, para ver ligações entre
acontecimentos que não estão relacionados. Deixamo-nos fascinar pelas
coincidências. Antropomorfizamos e projetamos os nossos sentimentos nos outros
e no mundo que nos rodeia. Consultamos secretamente mapas astrológicos. Temos
simplesmente de o aceitar. Na verdade, recorremos com frequência à
irracionalidade como forma de relaxamento — piadas tontas, atividades sem
sentido, interesse vago pelo oculto. Ser sempre racional pode ser cansativo.
Mas, para algumas pessoas, deixa-as extraordinariamente desconfortáveis. Sentem
este pensamento primitivo como debilidade, como misticismo, como oposto de
ciência e tecnologia. Tudo deve ser extremamente claro e analítico. Tornam-se
ateus devotos, não se apercebendo de que o conceito de Deus não pode ser provado
ou refutado. E uma crença, seja qual for a perspetiva.
No entanto, o que é recalcado
regressa sempre. A sua crença na ciência e na tecnologia assume uma feição
religiosa. Numa discussão, impõem as suas ideias de forma ainda mais
intelectual e até com um toque de raiva, o que revela o seu lado primitivo
ainda a fervilhar e a necessidade emocional camuflada de intimidar. No ponto
extremo, cedem a um relacionamento amoroso praticamente irracional e contrário
à sua imagem o professor que foge com a modelo jovem. Ou tomam uma má decisão
profissional, caem num esquema financeiro ridículo ou cedem a uma teoria da
conspiração. Também revelam tendência para mudanças estranhas estado de
espírito e para explosões emocionais, quando a Sombra se agita.
Esta atrai-as para reações
exageradas, espetando uma alfinetada na bolha da sua superioridade intelectual.
A verdadeira racionalidade deveria ser sóbria e cética em relação aos seus
próprios poderes e não fazer aparatos.
O Snobe: As pessoas que se enquadram neste
tipo têm uma necessidade extraordinário de ser diferentes dos outros, de
afirmarem algum tipo de superioridade sobre toda a humanidade. Têm os gostos
estéticos mais requintados quando se trata de arte ou crítica cinematográfica,
de bons vinhos ou comida gourmet ou de discos de punk rock. Reuniram um
conhecimento impressionante acerca destas coisas. Dão grande importância às
aparências — são mais «alternativos» do que os outros, as suas tatuagens são
mais singulares. Em muitos casos, parecem vir de meios muito interessantes,
possivelmente com alguns antepassados extravagantes. Tudo o que os rodeia é
extraordinário. Claro que mais tarde se percebe que estavam a exagerar ou pura
e simplesmente a mentir sobre as suas origens. Beau Brummell, o conhecido snobe
e dândi do início do século XIX, provinha na verdade de um meio de clara classe
média, o contrário do que apregoara. A família de Karl Lagerfeld, o atual
diretor criativo da Chanel, não herdou o seu dinheiro, mas conseguiu-o da forma
mais burguesa, ao contrário das histórias que o estilista contou.
A verdade é que a banalidade faz
parte da existência humana. Grande parte das nossas vidas é passada a realizar
as tarefas mais aborrecidas e entediantes. Para a maior parte das pessoas, os
respetivos progenitores tinham profissões normais e sem brilho. Todos temos
facetas medíocres na nossa personalidade e capacidades. Os snobes são
especialmente sensíveis quanto a este aspeto, extremamente inseguros quanto às
suas origens e possível mediocridade. A sua forma de lidarem com isso é
distraírem e enganarem com aparências (em oposição à verdadeira originalidade
do seu trabalho), rodeando-se de tudo o que é extraordinário e de um
conhecimento especial. Sob tudo isso encontra-se uma pessoa real, à espera de
se manifestar ---- bastante comum e não tão diferente como isso.
Em todo o caso, quem é
verdadeiramente original e diferente não precisa de fazer grande alarde disso.
Com efeito, sente-se com frequência envergonhado por ser tão diferente e
aprende a parecer mais humilde. Tenha muito cuidado com as pessoas que fazem
espetáculo da sua diferença.
O Empresário Extremo: À primeira vista, estes tipos
parecem possuir caraterísticas muito positivas, especialmente a nível
profissional. Têm padrões muito elevados e prestam uma atenção extrema aos
pormenores. Estão dispostos a fazer grande Parte do trabalho sozinhos. Quando
combinados com talento, estes traços muitas vezes levam a um sucesso precoce.
Mas, por detrás da fachada, as sementes do fracasso ganham raízes. Isto aparece
em primeiro lugar na sua incapacidade de ouvir os outros. Não conseguem aceitar
conselhos. Não precisam de ninguém.
Na verdade, desconfiam das pessoas,
que não têm os mesmos padrões elevados. Com o sucesso, são obrigados a aceitar
cada vez mais responsabilidades.
Se forem realmente autoconfiantes,
saberão a importância de delegar num nível inferior para manter o controlo ao
nível superior, mas outra coisa se agita dentro destas pessoas - a Sombra.
Rapidamente, a situação torna-se caótica. Os outros têm de intervir e de tomar
conta do negócio. A sua saúde e finanças ficam arruinadas, e tornam-se
completamente dependentes de médicos ou de gestores financeiros externos. Vão
do controlo absoluto a uma dependência total dos outros. (Pense na estrela da
música pop Michael Jackson, perto do fim da vida.)
Muitas vezes a sua exibição de
autoconfiança para o exterior disfarça um desejo oculto de que os outros tomem
conta deles, de regressar à dependência da infância. Nunca o irão admitir para
si mesmos ou mostrar quaisquer sinais de tal fraqueza, mas inconscientemente
tendem a criar o caos suficiente para poderem quebrar e ser obrigados a entrar em
alguma espécie de dependência. Há sinais que o antecipam: problemas de saúde
recorrentes, micronecessidades súbitas de serem mimados por pessoas do seu dia
a dia. Mas o maior sinal surge quando perdem o controlo e não conseguem
evitá-lo. É preferível não se envolver demasiado com estes tipos numa fase
adiantada das suas carreiras, pois tendem a criar muitos danos colaterais.
O
ser humano integrado
Ao longo das nossas vidas,
conhecemos inevitavelmente pessoas que parecem especialmente à vontade consigo
mesmas. Apresentam determinados traços que ajudam a transmitir esta impressão:
conseguem rir-se de si próprias; são capazes de reconhecer algumas falhas no
seu caráter, bem como erros que tenham cometido; têm algo de divertido e por
vezes de irreverente, como se ainda fossem um pouco crianças por dentro;
conseguem representar o seu papel na vida com um pouco de distanciamento. Podem
por vezes ser encantadoramente espontâneas.
O que estas pessoas nos transmitem
é uma maior autenticidade. Se a maior parte das pessoas perdeu muitos dos seus
traços naturais ao tornar-se adultos socializados, os tipos autênticos
conseguiram de alguma forma mantê-los vivos e ativos. Podemos compará-los
facilmente com o tipo contrário: as pessoas demasiado suscetíveis, que são
hipersensíveis a algo considerado uma ofensa e que dão impressão de se sentirem
de alguma forma pouco à vontade consigo mesmas e de terem algo a esconder. Os
seres humanos são especialistas em captar a diferença. Quase podemos senti-la
no seu comportamento não verbal a linguagem corporal descontraída ou tensa, o
tom de voz fluido ou hesitante, a forma como os olhos fitam um ponto fixo e o
deixam entrar, o sorriso genuíno ou a sua ausência.
Uma coisa é certa: somos
completamente atraídos pelos tipos autênticos e inconscientemente repelidos
pelo seu contrário. O motivo é simples: todos lastimamos pela parte infantil da
nossa personalidade que perdemos o arrebatamento, a espontaneidade, a
intensidade da experiência, a abertura de espírito. Toda a nossa energia é diminuída
pela perda. As pessoas que emitem esse ar de autenticidade apontam-nos outra
possibilidade - a de serem pessoas que conseguiram integrar a criança e o
adulto, a escuridão e a luz, a mente inconsciente e a consciente. Ansiamos por
estar perto destes indivíduos. Talvez alguma da sua energia passe para nós.
Se Richard Nixon em muitos sentidos
personifica o tipo não autêntico, encontramos muitos exemplos do contrário para
nos inspirar: na política, homens como Winston Churchill e Abraham Lincoln; nas
artes, pessoas como Charlie Chaplin e Josephine Baker; na ciência, indivíduos
como Albert Einstein; na vida social em geral, alguém como Jacqueline Kennedy
Onassis. E estes seres apontam o caminho a seguir, que se centra de modo geral
na autoconsciência. Conscientes da nossa Sombra, podemos controlá-la,
canalizá-la e integrá-la. Conscientes do que perdemos, podemos voltar a
sintonizar-nos com a parte de nós que mergulhou na Sombra. Eis quatro passos
claros e práticos para o alcançar.
Ver a Sombra. Este é o passo mais difícil do
processo. A Sombra é algo que negamos e reprimimos. Também é muito mais fácil
descobrir as facetas mais negras dos outros e moralizar a respeito delas. É
quase não natural olhar para dentro, para esta nossa faceta. Mas lembre-se de
que será um ser humano incompleto se a mantiver escondida. Seja intrépido neste
processo.
A melhor maneira de começar é
procurar sinais indiretos, como se indica nas secções abaixo. Por exemplo, tome
nota de quaisquer traços particulares unilaterais e empáticos na sua pessoa.
Parta do princípio de que o traço oposto se encontra profundamente enterrado e,
a partir daqui, experimente ver mais sinais deste traço no seu comportamento.
Observe as suas próprias explosões emocionais e momentos de suscetibilidade
extrema. Alguém ou algo tocou na ferida. A sua sensibilidade a uma observação
ou imputação sugerem que uma característica da Sombra foi agitada, sob a forma
de uma insegurança profunda. Ponha-a a nu.
Observe profundamente a tendências
para projetar emoções e qualidades negativas em pessoas que conhece ou mesmo em
grupos. Por exemplo, digamos que detesta verdadeiramente tipos narcisistas ou
pessoas intrometidas. O que se passa é que está provavelmente está a rever as
suas próprias tendências narcisistas e o desejo secreto de ser mais assertivo,
sob a forma de uma negação ou ódio veementes. Somos especialmente sensíveis a
traços e fragilidades nos outros que reprimimos em nós. Procure momentos na sua
juventude (fim da adolescência, início da casa dos vinte) em que tenha agido de
forma bastante insensível ou mesmo cruel quando era mais novo, tinha menos
controlo sobre a Sombra, e isso surgia mais naturalmente, não com a força
reprimida dos anos posteriores.
No fim da sua carreira, o escritor
Robert Bly (nascido em 1926) começou a sentir-se deprimido. A sua escrita
tornara-se estéril. Começou a pensar cada vez mais no lado sombrio da sua
personalidade. Estava decidido a encontrar sinais do mesmo e a analisá-lo
conscientemente. Bly correspondia ao tipo do artista boémio, muito ativo na
contracultura dos anos sessenta do século xx. As suas origens artísticas
remontavam aos artistas românticos do início do século XIX, homens e mulheres
que exaltavam a espontaneidade e a naturalidade. Em grande parte da escrita do
próprio Bly, este insurgia-se contra as pessoas que se dedicavam à publicidade
e aos negócios — na sua perspetiva, eram muito calculistas, planeando tudo ao
extremo, com medo do caos da vida, e bastante manipuladores.
No entanto, ao olhar para dentro,
Bly detetava vislumbres desse calculismo e manipulação em si próprio. Também
receava secretamente momentos de caos na vida, gostava de planear coisas e de
controlar acontecimentos. Podia ser muito malévolo com as pessoas, mas no fundo
havia em si um pouco de corretor e de publicista. Talvez fosse a parte mais
profunda de si. Os outros diziam-lhe que o achavam bastante clássico em termos
de gostos e na escrita (construindo bem as frases), algo que o aborrecia, visto
que pensava o contrário. Mas, à medida que se tornou mais sincero consigo
mesmo, percebeu que tinham razão. (As pessoas muitas vezes conseguem ver mais
facilmente a nossa Sombra do que nós próprios, e seria sensato obter a sua
opinião sincera sobre o assunto.)
Aos poucos, desenterrou as suas
características sombrias rigidez, moralismo excessivo, etc. e, ao fazê-lo,
voltou a sintonizar-se com a outra metade da sua psique. Podia ser sincero
consigo mesmo e canalizar a Sombra de forma criativa, A sua depressão
dissipou-se, bem como o bloqueio criativo.
Leve este processo mais longe
reanalisando a versão mais antiga de si. Procure traços na infância que tenham
sido abafados pelos seus pais e companheiros -certas fragilidades e
vulnerabilidades ou formas de comportamento, traços de que o faziam sentir-se
envergonhado. Talvez os seus pais não gostassem das suas tendências
introspetivas ou do seu interesse por certos temas que não eram do seu gosto.
Em vez disso, direcionaram-no para carreiras e interesses que lhes convinham
Observe as emoções para as quais
tinha tendência, as coisas que desencadeavam uma sensação de espanto ou de
entusiasmo e que agora faltam. Tornou-se mais parecido com os outros à medida
que envelheceu e tem de redescobrir as facetas genuínas que perdeu. Finalmente,
observe os seus sonhos como o sinal mais direto e claro da sua Sombra. Só aí
encontrará os tipos de comportamento que evitou cuidadosamente na vida
consciente. A Sombra fala consigo de várias maneiras. Não procure símbolos ou
significados ocultos. Em vez disso, preste atenção ao tom emocional e
sentimentos generalizados que estes inspiram, agarrando-se a eles ao longo do
dia. Poderá ser um comportamento inesperadamente ousado da sua parte, uma
ansiedade intensa espoletada por determinadas situações, a sensação de estar
fisicamente encurralado ou a pairar por cima de tudo ou a explorar um lugar que
é proibido e que está para lá dos limites. As ansiedades podem relacionar-se
com inseguranças que não está a enfrentar; o pairar e o explorar são desejos
ocultos de alcançar a consciência. Habitue-se a escrever os seus sonhos e a
prestar atenção aos sentimentos que evocam.
Quanto mais revir este processo e
analisar os contornos da sua Sombra, mais fácil se tornará. Descobrirá mais
sinais à medida que a tensão dos seus músculos de repressão descontrair. A
certo ponto, o sofrimento deste processo transforma-se em entusiasmo por aquilo
que está a descobrir.
Aceitar a Sombra. A sua reação natural ao descobrir
e encarar o seu lado negro é sentir-se desconfortável e manter apenas uma
consciência superficial do mesmo. O seu objetivo aqui deverá ser o contrário —
não só aceitação total da Sombra, mas desejo de a integrar na sua personalidade
presente.
Explorar a Sombra. Tenha em conta que a Sombra tem
níveis de profundidade que contêm grande energia criativa. Explore este nível,
incluindo formas mais primitivas de pensar e os impulsos mais negros que vêm da
nossa natureza animal.
Na infância, as nossas mentes eram
muito mais fluidas e abertas. Fazíamos as associações mais surpreendentes e
criativas entre ideias. Mas, à medida que envelhecemos, tendemos a limitar este
processo. As associações livres entre ideias, imagens de sonhos, palpites e
intuições parecem irracionais e subjetivas. Mas isto leva às mais estéreis
formas de pensar. O inconsciente, o lado sombrio da nossa mente, tem
capacidades a que temos de aprender a aceder. E de facto algumas das pessoas
mais criativas que nos rodeiam recorrem a esta forma de pensamento.
Albert Einstein baseava uma das
suas teorias da relatividade na imagem de um sonho. O matemático Jacques
Hadamard fez as descobertas mais importantes enquanto andava de autocarro ou
tomava duche — palpites que surgiam do nada ou que ele alegava ser o seu
inconsciente. Louis Pasteur fez a sua grande descoberta sobre a imunização com
base numa associação de ideias bastante livre depois de um acidente no seu
laboratório. Steve Jobs alegava que as suas ideias mais eficazes surgiam a
partir de intuições, momento em que a sua mente vagueava de forma mais livre.
Compreender: O pensamento consciente de que
dependemos é bastante limitado. Só podemos guardar essa informação na memória
de curto e longo prazo, o inconsciente contém uma quantidade quase ilimitada de
material das memórias experiências e informação assimiladas através do estudo.
Depois de pesquisa ou trabalho prolongados sobre um problema, quando relaxamos
a mente em sonhos ou enquanto realizamos atividades banais não relacionadas, o
inconsciente começa a trabalhar a associa todo o tipo de ideias arbitrárias,
algumas das mais interessantes a fervilharem à superfície. Todos temos sonhos,
intuições e associações livres de ideias, mas muitas vezes recusamos dar-lhes
atenção ou levá-los a sério. Em vez disso, desenvolva o hábito de usar esta
forma de pensamento com mais frequência, criando um período de tempo definido
em que possa jogar com as ideias, alargar as opções em causa e prestar grande
atenção ao que lhe chega em estados mentais menos conscientes.
Nesta tendência, explore os seus
impulsos mais negros a partir de dentro, mesmo aquilo que possa parecer
criminoso, e descubra uma forma de os expressar no seu trabalho ou de os
exteriorizar de alguma forma, num diário, por exemplo. Todos temos desejos
agressivos e antissociais, mesmo em relação àqueles que amamos. Também temos
traumas dos primeiros anos de vida que estão associados a emoções que
preferimos esquecer. A maior parte de todos os órgãos de comunicação social
expressa de alguma forma estes níveis de profundidade, o que suscita uma reação
poderosa em nós pelo facto de estarem recalcadas. Tal é o poder dos filmes de
Ingmar Bergman ou dos romances de Fiódor Dostoiévski, e pode alcançar esse
mesmo poder ao exteriorizar o seu lado negro.
Mostrar a Sombra. Na maior parte das vezes, sofremos
secretamente com os intermináveis códigos sociais a que aderimos. Temos de
parecer muito simpáticos e agradáveis, sempre a alinhar com o grupo. E
preferível não mostrar demasiada confiança ou ambição. Mostre-se humilde e
igual a toda a gente; é assim que se joga. Ao seguir este caminho, ganhamos
confiança encaixando-nos nele, mas também passamos à defensiva e ressentimo-nos
secretamente. Ser tão agradável torna-se um hábito, que se transforma
facilmente em timidez, falta de confiança e indecisão. Ao mesmo tempo, a Sombra
mostrar-se-á, mas de forma inconsciente, em acessos e impulsos, e muitas vezes
em nosso desfavor.
Seria sensato olhar para aqueles
que são bem-sucedidos no seu campo.
Inevitavelmente veremos que, na sua maioria, se agarram muito menos a
estes códigos. De modo geral, são mais assertivos e abertamente ambiciosos.
Preocupam-se muito menos com o que os outros pensam deles. Desprezam as
convenções de forma aberta e com orgulho. E não são punidos, mas
extraordinariamente recompensados. Steve Jobs é um exemplo clássico. Mostrou o
seu lado duro, o lado sombrio da sua forma de trabalhar com os outros. A nossa
tendência para olhar para pessoas como Jobs é admirar a sua criatividade e
eliminar as suas características mais negras, quando não são necessárias. Se
fosse mais simpático, teria sido santo. Mas, na verdade, o lado negro estava
inextricavelmente entretecido na sua força e criatividade. A sua capacidade de não
ouvir os outros, de seguir o seu caminho de ser um pouco duro constituíram
elementos fundamentais do seu sucesso, que veneramos. E assim acontece com
muitas pessoas criativas e poderosas. Se eliminar a sua Sombra ativa, serão
como qualquer outra pessoa.
Compreender: Paga um preço mais alto por ser tão
simpático e atencioso do que por mostrar conscientemente a sua Sombra. Em
primeiro lugar, para seguir este último caminho, deve começar por respeitar
mais as suas próprias opiniões e menos as dos outros, especialmente quando se
trata das áreas que domina, do campo em que se especializou. Confie no seu
discernimento e nas ideias que teve. Em segundo lugar, habitue-se na sua
vida diária a afirmar-se mais e a comprometer-se menos. Faça-o com controlo e
em momentos que sejam oportunos. Em terceiro lugar, comece a
preocupar-se menos com o que as pessoas pensam acerca de si. Experimentará uma
sensação de libertação. Em quarto lugar, tome consciência de que por
vezes terá de ofender e até de magoar pessoas que se ponham no seu caminho, que
tenham valores negativos, que o critiquem injustamente. Use esses momentos de
injustiça evidente para revelar a sua Sombra e para a exibir orgulhosamente. Em
quinto lugar, sinta-se à vontade para assumir o papel de criança insolente e
voluntariosa que troça da estupidez e hipocrisia dos outros.
Finalmente, despreze as próprias convenções
que os outros seguem de forma tão escrupulosa. Durante séculos, e nos nossos
tempos ainda, os papéis de género representam a convenção mais poderosa de
todas. O que os homens e as mulheres podem fazer ou dizer foi altamente
controlado, ao ponto de quase representar diferenças biológicas em vez de
convenções sociais. As mulheres, em especial, são socializadas de modo a serem
ainda mais simpáticas e agradáveis.
Sentem uma pressão constante no
sentido de aderirem a isto e de o confundirem com algo natural e biológico.
Algumas das mulheres mais
influentes da história foram aquelas que quebraram deliberadamente estes
códigos — artistas como Marlene Dietrich e Josephine Baker, figuras políticas
como Eleanor Roosevelt, empresárias como Coco Chanel. Revelaram a sua Sombra e
mostraram-na agindo de formas tradicionalmente encaradas como masculinas,
cruzando e confundindo os papéis de género.
Jacqueline Kennedy Onassis também
conseguiu o seu grande poder ao contrariar o tipo tradicional da esposa de
político. Tinha uma tendência maliciosa pronunciada. Quando Norman Mailer a
conheceu, em 1960, e Jackie pareceu troçar dele, viu «algo brincalhão e duro
sair dos seus olhos como se realmente fosse uma menina muito marota de oito
anos». Quando não gostava das pessoas, mostrava-o de forma bastante aberta.
Parecia não se preocupar muito com o que os outros pensavam dela. E tornou-se
uma sensação graças à naturalidade que emanava.
No sentido mais lato, considere
este processo como uma forma de exorcismo. A partir do momento em que revelar
estes desejos e impulsos, estes deixam de estar escondidos em recantos da sua
personalidade, contorcendo-se e operando de formas secretas. Terás soltado os
seus demónios e reforçado a sua presença como ser humano autêntico. Desta
forma, a sua Sombra tornar-se-á um aliado.
Infelizmente,
não há dúvida de que esse homem é, como todos, menos bom do que se imagina ou
do que pretende ser. Toda a gente transporta uma sombra, e, quanto menos esta
estiver integrada na vida consciente do indivíduo, mais negra e densa será.
-CarlJung