# 2 Lei do Narcisismo - 2/18 Robert Greene
# 2 Lei do Narcisismo–
Transforme o amor-próprio em empatia
Todos nós possuímos a ferramenta mais espantosa para nos sintonizarmos com as pessoas e alcançar poder social — a empatia. Quando cultivada e devidamente utilizada, pode permitir-nos observar os humores e os estados de espírito dos outros, dando-nos a capacidade de antecipar as ações das pessoas e de reduzir suavemente as suas resistências. No entanto, este instrumento é ofuscado pelo nosso habitual autocentramento. Todos somos narcisistas, alguns mais profundamente do que outros. A nossa missão na vida é aceitar este amor-próprio e aprender a voltar a nossa sensibilidade para fora, para os outros, em vez de para dentro. Ao mesmo tempo, devemos reconhecer os narcisistas tóxicos que nos rodeiam antes de nos enredarmos nos seus dramas e de sermos envenenados pela sua inveja.
O
espectro narcisista
A partir do momento em que nascemos, nós, seres
humanos, sentimos uma infindável necessidade de atenção. Somos essencialmente
animais sociais. A nossa sobrevivência e felicidade dependem dos laços que
criamos com os outros. Se as pessoas não nos derem atenção, não nos podemos
ligar a elas em qualquer nível. Uma parte deste processo é meramente físico é
necessário termos pessoas a olharem para nós para nos sentirmos vivos. Como
quem passou por longos períodos de isolamento pode atestar, sem contacto
visual, começamos a duvidar da nossa existência e a cair numa depressão
profunda. Mas esta necessidade também é profundamente psicológica: através do
tipo de atenção que recebemos dos outros, sentimo-nos reconhecidos e apreciados
por aquilo que somos. O nosso sentido de valor próprio depende disto. Como este
aspeto é tão importante para o animal humano, as pessoas farão quase tudo para
atrair a atenção, inclusive cometer crime ou suicidar-se. Por detrás de quase
todas as ações irá encontrar esta necessidade como motivação primária.
No entanto, quando tentamos satisfazer a nossa sede de
atenção, enfrentamos um problema inevitável: não há assim tanta como isso ao
nosso dispor. Na família temos de competir com os irmãos; na escola, com
colegas; no trabalho, com os outros funcionários. Os momentos em que nos
sentimos reconhecidos e apreciados são fugazes. As pessoas podem ser bastante
indiferentes ao nosso destino, visto que têm de lidar com os seus próprios
problemas. Há até algumas que são profundamente hostis e desrespeitadoras em
relação à nossa pessoa. Como lidar com estes momentos quando nos sentimos
psicologicamente sozinhos ou até abandonados? Podemos redobrar esforços no
sentido de obter atenção e de nos tornarmos visíveis, mas isso pode esgotar-nos
a energia e muitas vezes ter o efeito contrário — as pessoas que tentam
demasiado parecem desesperadas e repelem a atenção que desejam. Não podemos
simplesmente confiar que os outros nos estejam sempre a validar, mas ansiamos
por isso.
Ao enfrentar este dilema desde a mais tenra idade, a
maior parte das pessoas arranja uma solução que funciona bastante bem: criamos
um eu, uma imagem de nós próprios que nos reconforta e nos faz sentir validados
interiormente. Este eu é composto pelos nossos gostos, pelas nossas opiniões,
pela forma como nos apresentamos ao mundo, por aquilo que prezamos. Ao
construirmos esta autoimagem, tendemos a acentuar as nossas características
positivas e a justificar as nossas falhas. Não podemos ir muito longe neste
processo, pois, se a nossa autoimagem estiver demasiado desfasada da realidade,
as outras pessoas irão tornar-nos conscientes dessa discrepância, e duvidaremos
de nos próprios. Mas, se a coisa for devidamente feita, ficaremos com um eu que
poderemos amar e estimar. A nossa energia volta-se para dentro. Tornamo-nos o
centro da nossa atenção. Quando vivemos esses momentos inevitáveis em que
estamos sozinhos ou não nos sentimos apreciados, podemos refugiar-nos neste eu
e sentir alívio. Se tivermos momentos de dúvida e de depressão, a nossa
autoestima põe-nos para cima, faz-nos sentir merecedores e até superiores aos
outros. Esta autoimagem funciona como um termóstato, ajudando-nos a regular
dúvidas e inseguranças. Já não estamos completamente dependentes dos outros em
termos de atenção e reconhecimento. Temos autoestima.
Esta ideia pode parecer estranha. Geralmente aceitamos
esta autoimagem como algo perfeitamente assente, como o ar que respiramos.
Funciona numa base profundamente inconsciente. Não sentimos ou vemos o
termóstato em funcionamento. A melhor maneira de visualizar literalmente esta
dinâmica é. Olhar para aqueles que carecem de um sentido coerente do eu,
pessoas a quem iremos chamar narcisistas profundos.
Ao construir um eu a que nos
possamos agarrar e que possamos amar, o momento-chave no seu desenvolvimento
ocorre entre os dois e os cinco anos de idade. A medida que nos separamos
lentamente da nossa mãe, enfrentamos um mundo em que não podemos receber
gratificação imediata. Também nos tornamos conscientes de que estamos sozinhos
e, contudo, dependentes dos nossos pais em termos de sobrevivência. A resposta
é identificarmo-nos com as melhores qualidades dos nossos pais — a sua força, a
sua capacidade de nos apaziguarem — e integrar estas qualidades em nós
próprios. Se os nossos pais nos encorajarem nos nossos primeiros esforços no
sentido de alcançar a independência, se validarem a nossa necessidade de nos
sentirmos fortes e reconhecidos nas nossas qualidades únicas, então a
autoimagem enraíza-se, e podemos lentamente construir-nos a partir dela. Os
narcisistas profundos conhecem uma interrupção abrupta neste desenvolvimento
precoce e por isso não chegam a construir um sentimento coerente e realista de
eu.
As suas mães (ou pais) também
poderão ser narcisistas profundos, demasiado focados em si mesmos para
reconhecerem o filho, para encorajarem os seus primeiros esforços de
independência. Ou, como alternativa, os progenitores podem ser complexos —
envolvendo-se demasiado na vida da criança, sufocando-a com atenção, isolando-a
dos outros e vivendo através do seu progresso como forma de validarem o seu
próprio valor. Não dão à criança espaço para criar um eu. Nos antecedentes de
quase todos os narcisistas profundos encontramos ou o abandono ou a intrusão. O
resultado é não terem um eu onde se refugiar, uma base para a autoestima, e
estarem completamente dependentes da atenção que podem obter dos outros para se
sentirem vivos e válidos.
Na infância, se estes narcisistas
forem extrovertidos, podem funcionar de forma razoável, e até prosperar.
Tornam-se mestres a atrair a atenção e a monopolizá-la. Podem parecer enérgicos
e empolgantes. Numa criança, estas qualidades parecerão eventualmente um sinal
de futuro sucesso social. Mas, por baixo da superfície, revela que estão a tornar-se
perigosamente dependentes da atenção que estimulam para se sentirem pessoas
inteiras e válidas. Se forem introvertidas, irão refugiar-se numa vida de
fantasia, imaginando um eu bastante superior aos outros. Visto que não obterão
validação desta autoimagem a partir dos outros pelo facto de esta ser tão
irrealista, também terão momentos de grande dúvida e até de ódio por si
próprios. Serão um deus ou um verme, carecendo de um fundo coerente, podem
imaginar-se como qualquer pessoa, e por isso as suas fantasias continuarão a
alterar-se enquanto experimentam novas personalidades. O pesadelo para os
narcisistas profundos geralmente surge quando estão na casa dos vinte e dos
trinta.
Conseguiram desenvolver um
termóstato interior, uma ideia coerente de eu para amar e em que se possam
fundar. Os extrovertidos têm de atrair constantemente a atenção para se
sentirem vivos e apreciados. Tornam-se mais dramáticos, exibicionistas e
arrogantes. Isto pode ser cansativo e até patético. Têm de mudar de amigos e de
ambientes de modo a conseguirem público novo. Os introvertidos caem mais
profundamente num eu de fantasia. Sendo socialmente estranhos, mas irradiando
superioridade, tendem a alienar as pessoas, aumentando o seu perigoso
isolamento. Em ambos os casos, as drogas, o álcool ou qualquer outra forma de
dependência podem tornar-se uma muleta necessária para se apaziguarem nos
momentos inevitáveis de dúvida e depressão.
Pode reconhecer os narcisistas
profundos através dos padrões de comportamento seguintes: se nunca forem
insultados ou desafiados, não têm defesas, nada de interior que os tranquilize
ou que lhes valide o mérito. Geralmente reagem com grande raiva, ansiando por
vingança, cheios de um sentido de justiça. Esta é a única maneira que conhecem
de dissipar as suas inseguranças. Nestas batalhas, posicionam-se como a vítima
ferida, confundindo os outros e até atraindo simpatia. Irritadiços e
hipersensíveis. Quase tudo é aceite como pessoal. Podem tornar-se bastante
paranoicos e ter inimigos em todos os quadrantes. Pode ver um olhar impaciente
ou distante no seu rosto sempre que fala de alguma coisa que de alguma forma
não os envolva diretamente. Puxam imediatamente a conversa de volta para si
mesmos, com alguma história ou episódio que os distraia da insegurança que se
encontra por detrás dela. Podem ser propensos a ataques violentos de inveja se
virem os outros a obter a atenção que sentem merecer. Exibem com frequência uma
autoconfiança extrema. Isto ajuda sempre a conseguir atenção e disfarça
claramente a sua tentativa de preencher um vazio interior e uma impressão
fragmentada de eu. Mas cuidado se alguma vez esta confiança for verdadeiramente
testada.
No que diz respeito às outras
pessoas na sua vida, os narcisistas profundos têm um relacionamento insólito
que nos é difícil compreender. Tendem a ver os outros como extensões de si
próprios, algo que se conhece por auto-objetos. As pessoas existem como
instrumentos para atenção e validação. O seu desejo é de nos controlarem tal
como controlariam o seu próprio braço ou perna. Numa relação, farão tudo,
lentamente, para que o parceiro perca contacto com os amigos — não poderá haver
competição pela atenção.
Alguns narcisistas profundos
altamente talentosos obtêm alguma redenção através do seu trabalho, canalizando
as suas energias e obtendo a atenção por que anseiam através das suas
realizações, embora tendam a permanecer erráticos e volúveis. No entanto, para
os narcisistas mais profundos, pode ser difícil concentrarem-nos no trabalho.
Carecendo do termóstato da autoestima, tendem a preocupar-se constantemente com
o que os outros pensam deles. Isto torna de facto difícil concentrarem a
atenção no exterior durante longos períodos de tempo e lidarem com a
impaciência e a ansiedade que decorrem do trabalho. Estes tipos tendem a mudar
de emprego e de carreira com bastante frequência. E esta a sua perdição incapaz
de atrair reconhecimento genuíno através das suas realizações, são eternamente
devolvidos à necessidade de estimular artificialmente a atenção.
Pode ser aborrecido e frustrante
lidar com os narcisistas profundos, e estes também se podem tornar bastante
prejudiciais, se nos aproximarmos demasiado deles. Enredam-nos nos seus dramas
intermináveis e fazem-nos sentir culpados se não estivermos sempre a dar-lhes
atenção. Os relacionamentos com eles são bastante insatisfatórios, e ter alguém
deste tipo como companheiro ou cônjuge pode ser mortífero. No fim, tudo tem de
girar à sua volta. A melhor solução nestes casos é afastar-se do seu caminho, depois
de os ter identificado como narcisistas profundos.
No entanto, existe uma variante
deste tipo que é mais perigosa e tóxica ainda devido ao alcance do seu poder,
nomeadamente o líder narcisista.
Quase todos os ditadores e
diretores executivos tirânicos entram nesta categoria. De modo geral, têm mais
ambição do que os narcisistas profundos e conseguem canalizar essa energia para
o trabalho por algum tempo. Cheios de autoconfiança narcisista, atraem atenção
e seguidores. Dizem e fazem coisas que as outras pessoas não se atrevem a dizer
ou fazer, o que parece admirável e autêntico. Podem ter visão relativamente a
um produto inovador e, como irradiam tal confiança, conseguem eventualmente que
os outros os ajudem a concretizar o seu sonho. São especialistas em usar as
pessoas.
Se têm sucesso, instala-se uma
terrível dinâmica a maior parte das pessoas é atraída para a sua liderança, o
que mais não faz que inflacionar as suas tendências arrogantes. Se alguém se
atrever a desafiá-las, são mais propensas do que os outros a entrar num acesso
de narcisismo profundo. São hipersensíveis. Também gostam de estar sempre a
criar dramas como forma de justificar o seu poder são os únicos a conseguir
resolver os problemas que criam. Isto também lhes dá mais oportunidades de serem
o centro da atenção. O local de trabalho nunca é estável sob a sua direção.
Por vezes podem tornar-se
empresários, pessoas que fundam uma empresa em virtude do seu carisma e
capacidade de atrair seguidores. Podem igualmente possuir talento criativo. Mas,
para muitos destes líderes, a sua própria instabilidade e caos interior acabam
por se espelhar na empresa ou grupo que lideram. Não podem criar uma estrutura
ou organização coerente. Tudo deve fluir através deles. Têm de controlar tudo e
toda a gente, os seus auto-objetos. quando Irão proclamá-lo na realidade como
virtude — como sendo algo autêntico e espontâneo — têm a capacidade de se
concentrar e de criar algo sólido. Tendem a queimar e a destruir tudo aquilo
que criam.
Vamos imaginar o narcisismo como
forma de medir o nível do nosso egocentrismo, como se este existisse numa
escala mensurável, de elevado a reduzido. Em determinado ponto, digamos, abaixo
do nível que marca o meio da escala, as pessoas entram no reino do narcisismo
profundo. Depois de ultrapassarem este ponto, é muito difícil voltarem a
erguer-se, porque carecem de autoestima. O narcisismo profundo torna-se
completamente egótico, quase sempre abaixo desse nível. Se por um instante se
conseguem envolver com os outros, algum comentário ou ação irá desencadear as
suas inseguranças, e cairão a pique. Mas, com o tempo, a maioria tende a cair
mais profundamente em si mesma. As outras pessoas são instrumentos. A realidade
é apenas um reflexo das suas necessidades. A sua única forma de sobrevivência
consiste apenas na atenção permanente.
Acima desse nível intermédio
encontra-se aquele a que iremos chamar narcisista funcional, ponto em que se
situa a maior parte das pessoas. Também somos egocêntricos, mas aquilo que nos
impede de mergulhar profundamente em nós próprios é uma ideia coerente de eu em
que podemos confiar e que podemos amar. (E irónico que a palavra narcisismo
tenha acabado por significar amor-próprio, quando na verdade os piores
narcisistas não têm um eu coerente para amar, o que constitui a origem do seu
problema.) Isto cria alguma resistência interior. Podemos ter momentos de
narcisismo profundo, que oscilam abaixo da média, especialmente quando estamos
deprimidos ou somos desafiados pela vida, mas inevitavelmente erguemo-nos. Não se
sentindo permanentemente inseguros ou feridos e nem sempre precisando de
procurar atenção, os narcisistas profundos podem voltar a sua atenção para o
exterior, para o trabalho ou para a manutenção de relações com pessoas.
A nossa missão, como estudiosos da
natureza humana, é tripla. Em primeiro lugar, temos de compreender
plenamente o fenómeno do narcisismo profundo. Embora se encontrem em minoria,
alguns destes indivíduos podem infligir uma quantidade insólita de mal no
mundo. Temos de ser capazes de distinguir os tipos tóxicos que criam dramas e
tentam transformar-nos em objetos que podem usar para os seus objetivos. Estes
podem atrair-nos com a sua energia invulgar, mas, se nos deixarmos enredar,
pode ser um pesadelo libertarmo-nos. São mestres em distorcer as situações e
fazer os outros sentirem-se culpados. Os líderes narcisistas são os mais
perigosos de todos, e devemos resistir à sua influência e ver para lá da sua
aparente fachada de criatividade. Saber como lidar com os narcisistas profundos
é uma arte importante para todos nós.
Em segundo lugar,
temos de ser sinceros acerca da nossa própria natureza e não a negar. Todos
somos narcisistas. Numa conversa, todos lutamos pela vez de falar, de contar a
nossa história, de dar a nossa opinião. Gostamos de pessoas que partilhem as
nossas ideias — devolvem-nos o reflexo do nosso bom gosto. Se formos
assertivos, veremos a assertividade como uma qualidade positiva, porque é
nossa, ao passo que os outros, mais tímidos, a irão avaliar como detestável e
valorizar a natureza introspetiva. Todos tendemos para a adulação por causa do
nosso amor-próprio. Os moralistas que tentam distanciar-se e denunciar os
narcisistas do mundo são hoje, com frequência os maiores narcisistas de todos —
gostam do som da sua voz enquanto apontam o dedo e pregam sermões. Estamos
dentro no espectro do egocentrismo. Criar um eu que possamos amar corresponde a
um desenvolvimento saudável, e não deveria haver estigmas associados a isso.
Sem autoestima, cairíamos num narcisismo profundo. Mas, para ultrapassar o
narcisismo funcional, que deveria ser o nosso objetivo, devemos em primeiro
lugar ser sinceros para nós próprios. Tentar negar a nossa natureza egótica,
tentar fingir que somos de alguma forma mais altruístas do que os outros,
impede-nos de nos transformarmos.
Em terceiro lugar,
e o mais importante, temos de começar a operar a transformação para o
narcisista saudável. Os narcisistas saudáveis têm uma noção mais forte e mais
resistente do eu. Tendem a pairar mais perto do cimo da escala. Recuperam mais
depressa de quaisquer feridas ou insultos. Não precisam de tanta validação por
parte dos outros. Apercebem-se, a dado momento da vida, de que têm limites e
falhas. Conseguem rir-se destas falhas e não levar as críticas tão a peito. Em
muitos sentidos, ao abarcarem o quadro inteiro sozinhos, o seu amor-próprio é
mais real e completo. A partir desta posição interior mais forte, podem virar a
sua atenção para o exterior de forma mais frequente e com mais facilidade. Esta
atenção vai num de dois sentidos, e por vezes em ambos. Em primeiro lugar,
conseguem dirigir o foco e o seu amor para o trabalho, tornando-se grandes
artistas, criadores e Inventores. Porque a sua concentração exterior no
trabalho é mais intensa, tendem a ser bem-sucedidos nas suas iniciativas, o que
lhes concede a atenção e a validação necessárias, podem ter momentos de dúvida
e de insegurança, e os artistas são por vezes extremamente frágeis, mas o
trabalho funciona como uma libertação constante de um egotismo excessivo.
A outra direção que os narcisistas saudáveis
tomam é no sentido dos outros desenvolvendo capacidades empáticas. Imagine a
empatia como o campo que se encontra no ponto mais alto de cada escala e para
lá dela — a concentração total nos outros. Pela sua própria natureza, os seres
humanos têm a capacidade excecional de compreender as pessoas de dentro para
fora. Nos nossos primeiros anos de vida, sentíamo-nos completamente ligados à
nossa mãe e conseguíamos sentir todos os seus estados de espírito e ler todas
as suas emoções de uma forma pré-verbal. Ao contrário de qualquer outro animal
ou primata, também tínhamos a capacidade de alargar esta perceção para lá da
mãe, a outros cuidadores e às pessoas que nos rodeavam.
Esta é a forma física da empatia
que continuamos a sentir até hoje, com os nossos amigos mais próximos, os
nossos cônjuges ou companheiros. Também temos uma capacidade natural de assumir
a perspetiva dos outros, de penetrar nas suas mentes. Estas potencialidades
permanecem de modo geral latentes devido ao nosso egocentrismo. Mas quando
chegamos à casa dos vinte e depois dela, ao sentirmo-nos mais autoconfiantes,
podemos começar a concentrar-nos no exterior, nas pessoas, e a redescobrir
estas capacidades. Aqueles que praticam esta empatia muitas vezes tornam-se
observadores sociais de excelência no mundo das artes ou das ciências,
terapeutas e líderes do mais alto nível.
A necessidade de desenvolver esta
empatia é mais notória do que nunca. Vários estudos apontaram para um o aumento
gradual dos níveis de egocentrismo e narcisismo nos jovens desde o fim dos anos
setenta do século xx, com uma incidência muito mais elevada desde 2000. Grande
parte deste fenómeno pode ser atribuída à tecnologia e à Internet. As pessoas
simplesmente passam menos tempo em interações sociais e demoram-se mais a
socializar online, o que torna cada vez mais difícil desenvolver a empatia e
apurar as competências sociais. Como qualquer outra competência, a empatia
decorre da qualidade da atenção. Se a sua atenção for constantemente interrompida
pela necessidade de olhar para o seu smartphone, acabará por nunca se aperceber
dos sentimentos e perspetivas das outras pessoas. Será constantemente atraído
para si próprio, saltitando superficialmente nas interações sociais e nunca se
envolvendo efetivamente. Mesmo no meio de uma multidão, permanecerá
fundamentalmente sozinho. As pessoas surgirão para desempenhar uma função — não
para criar laços, mas para atenuar as suas inseguranças.
Os nossos cérebros foram
construídos para uma interação social permanente; a complexidade desta
interação é um dos principais fatores que aumentaram drasticamente a nossa
inteligência como espécie. A certo ponto, envolvermo-nos menos com os outros
tem um efeito claramente negativo no próprio cérebro e atrofia o músculo
social. Para piorar, a nossa cultura tende a enfatizar o valor supremo do
indivíduo e os direitos de cada pessoa, favorecendo um maior envolvimento.
Encontramos cada vez mais pessoas que não conseguem imaginar que os outros têm
uma perspetiva diferente, que não somos exatamente iguais naquilo que desejamos
ou pensamos.
Deve tentar contrariar estes
desenvolvimentos e criar energia empática. Cada lado do espectro tem a sua
força particular. O narcisismo profundo tenderá a afundá-lo mais, na medida em
que a sua relação com a realidade se dissipa e se torna incapaz de desenvolver
o seu trabalho ou os seus relacionamentos. A empatia faz o contrário. A medida
que volta a sua atenção progressivamente para o exterior, receberá um feedback
positivo e constante. As pessoas desejarão estar mais perto de si. Desenvolverá
o músculo da empatia, o seu trabalho irá melhorar e, sem se esforçar por isso,
ganhará a atenção por que todos os seres humanos anseiam. A empatia cria o seu
próprio impulso positivo e ascendente.
Os quatro componentes que
se seguem constituem o conjunto de competências empáticas.
A atitude empática: A empatia é, acima de tudo, um
estado de espírito, uma forma diferente de nos relacionarmos com os outros. O
maior perigo que enfrentamos reside na presunção geral de que realmente
compreendemos as pessoas e de que as podemos avaliar e categorizar rapidamente.
Em vez disso, devemos começar pela noção de base de que somos ignorantes e de
que temos preconceitos naturais que nos farão avaliar indevidamente as pessoas.
As pessoas que nos rodeiam apresentam uma máscara que se adequa aos seus
objetivos. Confundimos a máscara com a realidade. Liberte-se da sua tendência
para fazer juízos de valor irrefletidos. Abra a mente de modo a ver as pessoas
sob uma nova luz. Não presuma que são parecidas consigo ou que partilham os
seus valores. Cada pessoa com quem trava conhecimento é como um país
inexplorado, com uma dimensão psicológica muito particular que irá desbravar
cuidadosamente. Mantenha-se pronto a ser surpreendido por aquilo que irá
desvelar. Este espírito flexível e aberto é como uma energia criativa — a
disponibilidade para considerar mais possibilidades e opções. De facto,
desenvolver a empatia também irá melhorar as capacidades criativas.
O melhor sítio para dar início a
esta mudança de atitude é nas suas muitas conversas diárias. Experimente
inverter o seu impulso normal de falar e dar a sua opinião, procurando, em vez
disso, ouvir o ponto de vista da outra pessoa. Estimule uma imensa curiosidade
neste sentido. Interrompa, na medida do possível, o seu incessante monólogo
interior. Conceda toda a atenção ao outro. O que importa aqui é a qualidade da
escuta, por isso, durante a conversa, pode devolver, em espelho, à outra
pessoa, frases que esta tenha dito ou palavras que tenham ficado por dizer, mas
que pressentiu. Isto terá um efeito extraordinariamente sedutor.
Com esta atitude, estará a dar às
pessoas o mesmo nível de satisfação que dará a si mesmo. Por exemplo, todos
temos tendência para fazer o seguinte: quando cometemos um erro, atribuímo-lo a
circunstâncias que nos levaram a cometê-lo, mas, quando são os outros a cometer
um erro, tendemos a vê-lo como uma falha de caráter, como algo que decorreu da
sua personalidade imperfeita. Trata-se de algo conhecido como preconceito da
atribuição. Deverá contrariar este aspeto. co uma atitude empática, procure
considerar primeiro as circunstâncias que possam ter levado alguém a fazer o
que fez, dando-lhe o mesmo benefício da dúvida que concedeu a si mesmo.
Finalmente, adotar esta atitude
depende da qualidade do seu amor-próprio. Se se sentir extremamente superior
aos outros, ou tolhido por inseguranças, os seus momentos de empatia e
concentração nos outros serão superficiais. Do que Precisa é de uma aceitação
absoluta da sua personalidade, incluindo os defeitos, que consegue ver
claramente, mas, ainda assim, apreciar e amar. Não é perfeito. Não é um anjo.
Tem a mesma natureza que as outras pessoas. Com esta atitude, pode rir-se de si
mesmo e deixar passar quaisquer insultos. Assumindo uma posição de força e
resistência genuínas, pode dirigir a sua atenção mais facilmente para o
exterior.
Empatia visceral: A
empatia é um instrumento de harmonização emocional. É-nos difícil lermos ou
imaginarmos os pensamentos de outra pessoa, mas pressentimos muito mais
facilmente sentimentos e estados de espírito. Todos somos capazes de captar as
emoções de outra pessoa. Os limites físicos entre nós e os outros são muito
mais permeáveis do que pensamos. As pessoas estão sempre a afetar os nossos
estados de espírito. Aqui, o que está a fazer é a transformar esta resposta
psicológica em conhecimento. Preste bem atenção aos estados de espírito das
pessoas, tal como são sugeridos pela sua linguagem corporal e tom de voz.
Quando falam, assumem uma inflexão emocional que pode ou não estar em sincronia
com aquilo que estão a dizer. Este tom pode ser de confiança, de insegurança,
de defesa, de arrogância, de frustração, de exaltação. Manifesta-se fisicamente
na sua voz, nos seus gestos, na sua postura. A cada encontro, deve procurar
identificar este aspeto antes mesmo de prestar atenção ao que essa pessoa está
a dizer. E algo que se irá gravar visceralmente em si, na sua resposta física a
essa pessoa. Um tom defensivo tenderá a criar um sentimento equivalente na
outra pessoa.
As intenções das pessoas constituem
um elemento determinante que está a tentar descobrir. Existe quase sempre uma
emoção por detrás de qualquer intenção e para lá das suas palavras;
sintonize-se com aquilo que elas desejam, com os seus objetivos, que também se
gravarão fisicamente em si, se prestar atenção. Por exemplo, algum dos seus
conhecidos manifesta subitamente interesse pela sua vida, concedendo-lhe o tipo
de atenção que nunca recebeu antes. Tratar-se-á de uma tentativa real de
estabelecer ligação ou de uma distração, de urna forma de o amaciar para o
poder usar em prol dos seus próprios objetivos? Em vez de se concentrar nas
suas palavras, que revelam interesse e entusiasmo, concentre-se no tom
emocional mais lato que consegue captar. Com que profundidade estarão essas
pessoas a ouvi-lo? Estabelecem contacto visual consistente? Tem a sensação de
que, apesar de o estarem a ouvir, estão concentradas em si mesmas? Se for alvo
de atenção súbita, mas esta lhe parecer pouco fiável, é porque provavelmente
essa pessoa lhe pretende pedir alguma coisa ou usá-lo e manipulá-lo de alguma
maneira.
Este tipo de empatia depende
largamente dos neurónios-espelho — os neurónios que se acendem no cérebro
quando vemos alguém fazer alguma coisa, como pegar num objeto, como se nós
próprios o estivéssemos a fazer. Isto permite-nos pormo-nos no lugar dos outros
e sentir o mesmo que eles. Alguns estudos revelaram que as pessoas que têm
classificações elevadas em testes de empatia são de modo geral imitadores
excelentes. Quando alguém sorri ou estremece de dor, tendem inconscientemente a
imitar essa expressão, transmitindo a impressão do que os outros podem estar a
sentir. Quando vemos alguém sorrir e de bom humor, isto tende a ter um efeito
contagioso sobre nós. Podemos usar conscientemente esta capacidade para tentar
entrar nas emoções dos outros, imitando literalmente a sua expressão facial ou
evocando memórias de experiências semelhantes que tenham desencadeado essas
emoções. Antes de Alex Haley ter começado a escrever Raízes, passou muito tempo
no interior escuro de um navio, a tentar recriar o horror claustrofóbico que os
escravos devem ter sentido. Uma ligação visceral com as suas emoções
permitiu-lhe penetrar no seu mundo e descrevê-lo através da escrita.
Além disso, espelhar as pessoas a
qualquer nível irá suscitar uma resposta empática da sua parte. Pode tratar-se
de algo físico, conhecido por efeito camaleão. As pessoas que estabelecem uma
ligação física e emocional numa conversa tendem a mimetizar os gestos e
posições umas das outras, cruzando ambas as pernas, por exemplo. A certo ponto,
podemos fazê-lo conscientemente e induzir uma ligação mimetizando
deliberadamente alguém. Do mesmo modo, acenar com a cabeça enquanto o outro
fala e sorrir irá aprofundar a ligação. Melhor ainda: pode entrar no estado de
espírito da outra pessoa. Assimilá-lo-á profundamente e refleti-lo-á de volta.
Criara, deste modo, uma sensação de ligação. As pessoas anseiam secretamente
por este tipo de laço emocional nas suas vidas diárias, porque este acontece
muito raramente. Tem um efeito hipnótico e apela ao narcisismo das pessoas, na
medida em que se torna o seu espelho.
Ao praticar este tipo de empatia,
tenha em mente que deve manter um certo nível de distanciamento. Não se está a
enredar completamente nas emoções de outrem. Isso tornará difícil analisar o
que está a captar e pode conduzir a uma perda de controlo que não é saudável.
Fazê-lo com demasiada intensidade e de forma excessivamente manifesta também
pode criar um efeito assustador. Acenar sorrir e espelhar em momentos
específicos deverá ser algo subtil, quase impossível de detetar.
Empatia analítica: O
motivo pelo qual consegue compreender os seus amigos e companheiro ou
companheira tão profundamente tem a ver com o facto de possuir muita informação
acerca dos seus gostos, valores e antecedentes familiares. Já todos vivemos a
experiência de pensar que conhecemos alguém, mas com o tempo tivemos de adaptar
a nossa impressão original, depois de obter mais informação. Portanto, embora a
empatia física seja extremamente poderosa, deve ser complementada com a empatia
analítica. Isto pode ser especialmente útil com pessoas perante as quais
sentimos alguma resistência e com quem tenhamos tido dificuldade em
identificar-nos — seja por serem muito diferentes de nós ou por haver algo
nelas que nos repugna. Nesses casos, recorremos naturalmente ao juízo de valor
e categorizamo-las. Existem pessoas que não valem a pena o esforço perfeito
tolos ou verdadeiros psicopatas. Mas, com a maior parte das outras que pareçam
difíceis de entender, deveríamos encará-las como um excelente desafio e uma
forma de melhorar as nossas capacidades. Como Abraham Lincoln afirmou: «Não
gosto daquele homem. Tenho de o conhecer melhor.»
A empatia analítica surge
principalmente através de conversas e quando reunimos informação que nos
permite entrar no espírito dos outros. Algumas informações são mais valiosas do
que outras. Por exemplo, irá desejar conhecer os valores das pessoas, que são
geralmente definidos nos primeiros anos de vida. As pessoas desenvolvem com
frequência noções do que consideram ser forte, sensível, generoso e fraco com
base nos seus próprios progenitores e no seu relacionamento com eles. Uma
mulher verá um homem a chorar como um sinal de sensibilidade e sentir-se-á
atraída por ele, ao passo que outra irá considerá-lo alguém fraco e repugnante.
Se não compreender os valores das pessoas a este nível ou se projetar os seus
próprios valores, irá interpretar erradamente as suas reações e criar conflitos
desnecessários.
O seu objetivo deverá então ser
reunir o máximo possível de informação acerca dos primeiros anos de vida das
pessoas que está a estudar e da sua relação com pais e irmãos. Tenha em mente
que o seu relacionamento atual com a família também dirá muito acerca do
passado. Experimente ler as suas reações às figuras que representam a
autoridade. Isto irá ajudá-lo a ver a que ponto têm tendência para se rebelar
ou para serem submissas. A escolha dos companheiros também será muito
expressiva, se as pessoas lhe parecem relutantes a falar, experimente
fazer-lhes perguntas abertas ou começar com uma confissão sincera da sua parte,
para criar uma base de confiança. De modo geral, as pessoas gostam de falar
sobre si e sobre o seu passado, e geralmente é muito fácil fazer que se abram.
Procure fatores de desencadeamento que revelem pontos de sensibilidade extrema.
Se provierem de outra cultura, é ainda mais importante compreendê-la a partir
da sua experiência. O seu objetivo geral será descobrir o que as torna únicas.
Procure especificamente o que é diferente da sua pessoa e das outras que
conhece.
A capacidade de ser empático: Tornar-se empático implica um processo, como tudo.
Para se certificar de que está realmente a fazer progressos e a melhorar a sua
capacidade de compreender as pessoas a um nível mais profundo, irá precisar de
retorno. Este pode surgir de uma de duas formas: direta e indireta. Na forma
direta, perguntará às pessoas quais são os seus pensamentos e sentimentos de
modo a perceber se adivinhou corretamente. Trata-se de algo que deve ser
discreto e basear-se num determinado nível de confiança, mas pode constituir um
indicador bastante preciso da sua capacidade. De seguida, há a forma indireta —
sente uma maior ligação e que determinadas técnicas resultaram consigo.
Para trabalhar esta competência,
tenha vários aspetos em mente: com quanto mais pessoas interagir pessoalmente,
melhor se tornará. E, quanto maior for o leque de pessoas que encontrar, mais
versátil se tornará a sua capacidade. Mantenha-se também aberto à mudança. As
suas ideias sobre as pessoas nunca se deverão cristalizar definitivamente num
juízo de valor. Num encontro, mantenha a atenção bem ativa de modo a ver como a
outra pessoa muda durante uma conversa e o efeito que tem sobre ela. Esteja
presente no momento. Tente ver as pessoas enquanto interagem com outros para
além de si — os seres humanos por vezes são muito diferentes, dependendo do
interlocutor com quem interagem. Tente concentrar-se não nas categorias, mas no
tom emocional e no espírito que as pessoas evocam em si, que está sempre a
mudar. A medida que for melhorando, irá descobrir cada vez mais pistas deixadas
pelas pessoas acerca da sua psicologia. Irá reparar em mais coisas. Combine
sempre o visceral com o analítico.
Detetar alguma evolução nas suas
capacidades irá entusiasmá-lo e motivá-lo para avançar para níveis mais
profundos. De modo geral, sentir-se-á passar pela vida de forma mais tranquila,
ao evitar conflitos e mal-entendidos desnecessários.
O princípio mais profundo da natureza
humana é o desejo de ser apreciado.
- William James
Exemplos de tipos narcisistas
- 1. O narcisista do
controlo absoluto
- 2. O narcisista
dramático
- 3. O casal narcisista
- 4. O narcisista saudável
– leitor de estados de espírito
1. O narcisista do controlo absoluto
O grande enigma sugerido por Josef
Estaline e pelo tipo que esta encarna é o de saber como pessoas tão profundamente
narcisistas também podem ser tão encantadoras e, através do seu encanto, ganhar
influência, como se podem ligar aos outros quando estão tão obcecados consigo
próprios? Como conseguem hipnotizar? A resposta reside na primeira parte das
suas carreiras, antes de se tornarem paranoicas e cruéis.
Estes tipos geralmente têm mais
ambição e energia do que o narcisista profundo comum. Também tendem a
apresentar mais inseguranças. A única forma de aplacarem estas inseguranças e
de satisfazerem a sua ambição é receberem dos outros mais do que o quinhão
habitual de atenção e reconhecimento, o que de facto só pode ocorrer se
assegurarem poder social na política ou nos negócios. Muito cedo, estes
indivíduos deparam com a melhor maneira de o fazer. Como a maior parte dos
narcisistas profundos, são hipersensíveis a tudo o que considerem ser uma
desconsideração. Têm antenas magnificamente sintonizadas que apontam para as
outras pessoas de modo a sondar os seus sentimentos e pensamentos — a captar o
menor sinal de desrespeito. Mas o que descobrem a dada altura é que esta
sensibilidade pode igualmente permitir sondar os desejos e inseguranças dos
outros. Pelo facto de serem tão sensíveis, conseguem ouvir as pessoas com uma
atenção profunda. Conseguem mimetizar a empatia. A diferença é que,
interiormente, são impelidos não pela necessidade de se ligarem, mas pela de
controlarem as pessoas e de as manipularem. Ouvem e sondam os outros para
descobrir fragilidades que possam usar.
A sua atenção não é totalmente
fingida, caso contrário não teria qualquer efeito. Conseguem sentir
companheirismo no momento em que poem o braço à volta dos ombros de alguém, mas
depois controlam e abafam o florescer desse sentimento sob uma forma ainda mais
real e profunda. Se não o fizessem, arriscavam-se a perder o controlo das suas
emoções e a ser magoados. Arrastam os outros numa exibição de atenção e afeto,
atraem-nos mais profundamente, com a inevitável frieza que se segue. Estes
perguntam-se se terão dito ou feito algo de errado e como poderão recuperar a
sua atenção. Trata-se de algo que pode ser subtil — pode tratar-se de um
vislumbre que dura apenas um ou dois segundos, mas tem o seu efeito. É o
clássico dá-e-tira da sedutora que faz o outro desejar sentir de novo o ardor
em tempos experimentado. Quando combinado com níveis invulgarmente elevados de
confiança apresentados por estes indivíduos um efeito devastadoramente sedutor
nas pessoas e atrair seguidores. O narcisista pode ter do controlo absoluto
estimulam o desejo de outrem se aproximar deles, mas têm-no à distância de um
braço.
Tudo isto tem a ver com controlo.
Controlam as suas emoções e controlam as reações dos outros. A dado momento, à
medida que ganham confiança no seu poder, irão ressentir-se do facto de se
terem forçado a entrar no jogo da sedução, porque têm de prestar atenção aos
outros quando deveria ser ao contrário? Por isso viram-se inevitavelmente
contra anteriores amigos, revelando a inveja e o ódio que sempre esteve logo
abaixo da superfície. Controlam quem está dentro e quem está fora, quem vive e
quem morre. Ao criarem dilemas em que nada do que se diga ou faça lhes irá
agradar ou fazendo-o parecer arbitrário, aterrorizamos outros com esta
insegurança. Controlam as emoções do outro.
A dado momento, tornar-se-ão perfeitos
microgestores — em que podem confiar daqui para a frente? As pessoas
transformaram-se em autómatos, incapazes de tomar decisões, por isso têm de
controlar tudo. Quando atingem este extremo, estes indivíduos acabam por se
destruir porque é efetivamente impossível libertar o animal humano do
livre-arbítrio. As pessoas rebelam-se, mesmo as que se sentem mais intimidadas.
Nos últimos dias de Estaline, este sofreu um acidente vascular cerebral, mas
nenhum dos seus assistentes ousou ajudá-lo ou chamar um médico. Morreu de
abandono, visto que aqueles haviam acabado simultaneamente por o recear e
odiar.
E quase inevitável encontrar estes
tipos na vida, porque, através da sua ambição, tendem a tornar-se chefes e
diretores, figuras políticas e líderes de seitas. O perigo que representam para
os outros e surge logo de início, quando começam a usar o seu encanto. E
possível reconhecê-los usando a empatia visceral. As suas manifestações de
interesse por si nunca são profundas, nunca duram muito, e são inevitavelmente
seguidas de um recuo coquete. Se não se deixar distrair pela tentativa aparente
de seduzir, poderá detetar esta frieza e o facto de a atenção inevitavelmente
recair sobre eles.
Perscrute o seu passado. Verificará
que não registam uma única relação profunda e íntima, em que tenham exposto
qualquer vulnerabilidade. Procure sinais de uma infância perturbada. O próprio
Estaline tinha um pai que o espancava impiedosamente e uma mãe bastante fria e
pouco carinhosa. Oiça pessoas que já tenham observado a sua verdadeira natureza
e tentado avisar outros. Na verdade, o antecessor de Estaline, Vladimir Lenine,
compreendera a sua natureza mortífera no seu leito de morte, tentou apontar
este aspeto a outras pessoas, mas os seus avisos não foram escutados. Repare nas
expressões aterradas daqueles que se encontram diariamente às ordens destes
indivíduos. Se tiver alguma suspeita de que está a lidar com uma pessoa deste
tipo, deve manter-se afastado. São como tigres — quando nos aproximamos
demasiado, já não conseguimos escapar, e irão devorar-nos.
2. O narcisista dramático
Jeanne de Belciel
Um dos estranhos paradoxos do
narcisismo profundo é que muitas vezes passa despercebido aos outros, até que o
comportamento se torna demasiado extremo para poder ser ignorado. O motivo é
simples: os narcisistas profundos conseguem ser mestres do disfarce,
apercebem-se muito cedo de que se revelassem os seus verdadeiros eus aos outros
a sua necessidade constante de atenção e de se sentirem superiores iriam
repelir as pessoas. Usam a falta de eu coerente como vantagem. Podem
interpretar muitos papéis. Conseguem disfarçar a sua necessidade de atenção
através de vários dispositivos dramáticos. Podem ir mais longe do que qualquer
pessoa na simulação da moralidade e do altruísmo. Nunca apresentam ou apoiam
simplesmente a causa certa - fazem dela espetáculo. Quem irá duvidar da
sinceridade desta exibição de moralidade? Ou então avançam no sentido
contrário, revelando o seu estatuto de vítimas, como alguém que sofre às mãos
dos outros ou que é negligenciado pelo mundo. É fácil ser-se apanhado na emoção
do momento, para sofrer mais tarde, quando o narcisista dramático o desgastar
com as suas necessidades ou o usar para alcançar os seus objetivos. Estes
indivíduos jogam com a empatia do outro. A única solução consiste em
identificar o ardil. Reconhecê-los pelo facto de a atenção estar sempre
centrada neles. Repare que são sempre superiores em alegada bondade, sofrimento
ou miséria. Observe a emoção permanente e a natureza teatral dos seus gestos.
Tudo o que fazem ou dizem é para consumo público. Não se deixe afetar pelos
seus dramas.
3. O casal narcisista
Lev Tolstoi apresentava todos os
sinais do narcisista profundo. A mãe morrera quando ele tinha dois anos de
idade, deixando um vazio gigantesco dentro de si que nunca conseguiu preencher,
embora tenha tentado fazê-lo com os seus muitos relacionamentos amorosos. Teve
um comportamento temerário durante a juventude, como se isso pudesse fazê-lo
sentir-se vivo e completo. Sentia-se constantemente repugnado consigo próprio e
não conseguia perceber quem era. Transferiu esta dúvida para os seus romances,
assumindo papéis diferentes nas personagens que criou.
Aquilo que de modo geral torna um
relacionamento narcisista é a falta de empatia que faz que os dois
intervenientes se refugiem de forma cada vez mais profunda nas suas posições
defensivas. Cada um dos lados tem valores divergentes, através dos quais
encaravam o outro.
O uso da empatia tem o efeito
contrário de um narcisismo mútuo. Vindo de um dos lados, tende a suavizar o outro
e também a convidar à empatia de ambos. É difícil permanecer numa posição
defensiva quando a outra pessoa vê e expressa o nosso lado e entra no nosso
espírito. Isso instiga-nos a fazer o mesmo. Secretamente, as pessoas anseiam
por se libertarem da sua resistência. E esgotante estar sempre tão na defensiva
e tão desconfiado.
A solução para usar a empatia num
relacionamento reside em compreender o sistema de valores da outra pessoa, que
inevitavelmente é diferente do nosso.
Aquilo que o outro interpreta como sinais de amor, de atenção ou de
generosidade tende a divergir da nossa forma de pensar. Estes sistemas de
valores formam-se de modo geral na primeira infância e não são criados
conscientemente pelas pessoas.
Manter o seu sistema de valores em
mente irá permitir-lhe entrar no seu espírito e perspetiva precisamente no
momento em que normalmente se torna defensivo. Até os narcisistas profundos
podem ser arrancados desta forma às suas zonas de conforto porque esse tipo de atenção
é muito raro. Meça todos os seus relacionamentos com base no espectro de
narcisismo. Não é uma pessoa ou a outra que deve ser alterada, mas a própria
dinâmica da relação.
4. O
narcisista saudável o leitor de estados de espírito
Em outubro de 1915, Sir Ernest
Shackleton ordenou o abandono do navio Endurance, que ficara mais de 8 meses
preso na Antártida, desistindo do seu grande sonho de liderar a si equipa na
primeira travessia terrestre do continente antártico terminando a sua carreira,
mas com a responsabilidade em mente de trazer 27 homens a casa sãos e salvos.
Quando Shackleton ficou responsável
pelas vidas de tantos homens em circunstâncias tão desesperadas, percebeu o que
ditaria a diferença entre a vida e a morte: a atitude dos homens. Não se trata
de algo visível, e raramente é discutido ou analisado em livros. Não existem
manuais de formação sobre este assunto. No entanto, era o fator mais
importante. Uma pequena quebra no seu estado de espírito, algumas rachas na
unidade, e tornar-se-ia demasiado difícil tomar as decisões certas sob coação.
Uma tentativa de se libertarem da massa de gelo, resultante da impaciência e da
pressão de alguns, conduziria seguramente à morte. Essencialmente, Shackleton
foi devolvido ao estado mais elementar e primordial do animal humano — um grupo
em perigo, em que todos dependiam uns dos outros para sobreviver. Foi
precisamente nessas circunstâncias que os nossos antepassados mais distantes
desenvolveram competências sociais superiores, a capacidade humana única de ler
os estados de espírito e as mentes dos outros e de cooperar. E, nos meses sem
luminosidade solar na massa de gelo, o próprio Shackleton redescobriu estas
ancestrais competências empáticas que subjazem, adormecidas, em todos nós,
porque era preciso que isso acontecesse.
O modo como Shackleton desempenhou
a sua missão deveria servir-nos de modelo a todos. Em primeiro
lugar, compreendeu o papel primordial que a sua própria atitude representaria
neste processo. O líder contagia o grupo com a sua disposição mental. Grande
parte deste processo acontece a nível não verbal, com o que as pessoas captam
da linguagem corporal do líder e do seu tom de voz. Shackleton imbuiu-se de um
ar de absoluta confiança e otimismo e verificou que este contagiava o espírito
dos outros homens.
Em segundo lugar, tinha de
dividir a sua atenção em partes praticamente iguais, pelos indivíduos e pelo
grupo. Com este, vigiava os níveis de tagarelice à hora das refeições, o quanto
praguejavam durante o trabalho, quão depressa o moral melhorava quando se dava
início a algum tipo de entretenimento. Com os indivíduos, lia os estados
emocionais no tom de voz, verificava a voracidade com que consumiam os
alimentos e saíam da cama. Se reparasse num estado de espírito particular em
determinado dia, tentava antecipar o que esse indivíduo poderia fazer
assumindo, ele próprio, um estado de espírito semelhante. Procurava sinais de
frustração ou insegurança nas suas palavras e gestos. Procurava tratar cada
pessoa de modo diferente, dependendo da sua psicologia específica. Também
adaptava constantemente as suas interpretações, visto que o estado de espírito
de cada pessoa mudava rapidamente.
Em terceiro lugar, ao
detetar alguma quebra no moral ou negatividade, obrigava-se a ser suave.
Repreender faria apenas que os homens se sentissem envergonhados e em destaque,
o que acabaria mais tarde por ter um efeito contagioso. Era preferível
incitá-los a falar, entrar no seu estado de espírito e descobrir formas
indiretas ora de lhes subir o moral ora de os isolar sem que se apercebessem do
que estava a fazer. A medida que Shackleton punha estas estratégias em prática,
reparava que as dominava cada vez melhor. Com uma vista de olhos rápida de
manhã, quase conseguia antecipar de que forma os homens agiriam no resto do
dia. Alguns elementos da tripulação achavam que ele lhes lia as mentes.
Compreender:
Aquilo que nos faz desenvolver competências de empatia é a necessidade. Se
sentirmos que a nossa sobrevivência depende da nossa capacidade de avaliar os
estados de espírito e as mentes dos outros, encontraremos a motivação
necessária e assimilaremos essas competências. Normalmente, não sentimos
necessidade de o fazer. Achamos que percebemos perfeitamente as pessoas com
quem lidamos. A vida pode ser dura, e temos demasiadas tarefas às quais dar
atenção. Somos preguiçosos e preferimos confiar em juízos de valor previamente
compilados. Porém, é uma questão de vida ou de morte, o nosso sucesso depende
efetivamente do desenvolvimento destas capacidades. Simplesmente não temos consciência
disso porque não vemos as ligações entre os problemas que existem nas nossas
vidas e a nossa permanente interpretação errada dos estados de espírito e
intenções das pessoas e do sem-fim de oportunidades perdidas que disso
decorrem. O primeiro passo é, portanto, o mais importante: apercebermo-nos
de que temos uma notável ferramenta social que não estamos a cultivar. A melhor
maneira de o reconhecer consiste em experimentar. Ponha fim ao interminável
monólogo interior e preste mais atenção às pessoas. Sintonize-se com as
mudanças de estado de espírito dos indivíduos e do grupo. Leia a psicologia
particular de cada pessoa e o que a motiva. Tente assumir a sua perspetiva,
entre no seu mundo e sistema de valores. Tornar-se-á subitamente consciente de um
mundo inteiro de comportamentos não verbais que não sabia existirem, como se os
seus olhos pudessem agora subitamente ver luz ultravioleta. Depois de
identificar esta capacidade, irá sentir a sua importância e despertar para
novas possibilidades sociais.